A 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou, por unanimidade, que o caso de um trabalhador que acionou a Justiça seis anos após ser resgatado de um trabalho análogo à escravidão deve ser retomado pela Justiça.
Segundo os relatos do trabalhador de uma fazenda em Dourados (MS), o contratante não fornecia moradia digna, alimentação adequada ou água potável, fazendo com que ele precisasse beber água do mesmo açude do gado.
A decisão foi baseada no entendimento de que casos envolvendo trabalho análogo à escravidão são imprescritíveis, ou seja, não existe um prazo determinado para que a ação seja proposta ou que punições sejam impostas.
A reclamação trabalhista havia sido extinta nas instâncias inferiores por ter sido apresentada mais de seis anos depois do resgate do trabalhador.
O caso foi resgatado em 2013, mas a Justiça foi acionada somente em 2019. De acordo com a sentença que extinguiu o processo, a ação teria que ter sido protocolada até 2015.
No recurso ao TST, o trabalhador argumentou que, quando a ação se origina de fato que precisa ser apurado no juízo criminal, como no caso, que ainda está em curso na Justiça Federal, não há prescrição antes da sentença criminal definitiva.
Sem água e moradia digna
Segundo o processo, o trabalhador foi contratado em 2003 com a remuneração de um salário mínimo e promessas de comida e moradia. No entanto, segundo ele, a fazenda deixou de fornecer alimentação adequada, energia elétrica, moradia digna e água potável.
Ele também alega que, por ser o único trabalhador do local, começava sua jornada às 5h e terminava às 23h. As tarefas, segundo o trabalhador, eram “cuidar do gado, fazer cerca, domar cavalo bravo, bater ração, aplicar veneno e conduzir tratores, de domingo a domingo”.
A partir de 2008, o contratante também teria deixado de pagar o salário e fornecia apenas arroz para sua alimentação. Ele foi resgatado somente em 2013, quando o Ministério Público do Trabalho (MPT) realizou uma vistoria no local.
Segundo o TST, o proprietário da fazenda foi denunciado e responde a um processo criminal na Justiça Federal.
Convenção dos Direitos Humanos
O relator do caso é o ministro Augusto César. Em seu voto, ele se baseou na assinatura da Convenção Americana de Direitos Humanos, que faz com que o Brasil se submeta à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH).
Nesse caso, ao condenar o Brasil por violação de direitos humanos no caso Fazenda Brasil Verde, a Corte entendeu que não há prescrição da pena, porque o direito à não submissão a trabalho escravo é uma norma indisponível de direito internacional.
“Se para o âmbito penal, onde se protege a liberdade de locomoção, as pretensões criminais decorrentes do crime de trabalho análogo ao de escravo são imprescritíveis, o mesmo entendimento deve ser adotado no âmbito trabalhista, que tutela o direito patrimonial de ressarcimento das vítimas”, afirmou o ministro.
O entendimento de que casos envolvendo trabalho análogo à escravidão não prescrevem não é inédita no Tribunal. Em 2023, por exemplo, a 2ª Turma manteve a condenação de uma família de São Paulo que manteve uma empregada doméstica nessas condições por mais de 20 anos.