Está fácil ser pessimista com os EUA e a bolsa americana. De várias maneiras, o governo Trump tem fugido do script esperado pelos mercados no período exuberante entre a eleição e a posse. A reversão do “Trump trade” tem sido quase que completa em vários mercados.
As ações da Tesla, que tinham tido uma das maiores valorizações com a eleição de Trump, caíram ao redor de 50% do seu pico em um período de algumas semanas. A correção do S&P 500 foi uma das mais rápidas correções de preços da história do mercado.
Sobre “por que?” de tudo isso, já discutimos no mês passado mostrando as “três surpresas de Trump”. Hoje quero discutir as prováveis consequências, e especificamente por quê, a meu ver, o mercado está exagerando na dose de pessimismo.
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Os riscos e o pessimismo
Não há o que discutir que a economia americana está desacelerando, e que vários indicadores de sentimento, o tal “soft data”, têm caído para níveis associados a recessões, e essa possibilidade está sendo debatida intensamente: a economia americana cairá em recessão?
Essa pergunta é de extrema (e óbvia) importância: cálculos da Goldman Sachs mostram que depois de uma correção de 10% no S&P 500, se isso acontecer em um período não recessivo, na grande maioria das vezes o mercado tem uma relativamente rápida correção da queda e retomada da tendência de alta, isto é, deve-se “buy the dip”. Se for acompanhado por uma recessão, a queda pode se estender para algo acima de 25%.
Já que o pessimismo virou o consenso, vou aqui argumentar por que de fato uma recessão é ainda improvável (com uma importante qualificação final).
A combinação de aumento de tarifas, como a incerteza sobre as tarifas, sem dúvida representa um choque estagflacionário. Mas isso passa pelo mercado de bens/setor externo, quando 70% do PIB americano está concentrado no setor de serviços – a economia americana é uma gigante economia continental relativamente fechada, com a corrente de comércio não chegando a 25% do PIB.
Era esperado que a política tarifária de Trump elevaria o valor do dólar americano – como em 2018. Aqui o mercado também errou: o dólar apresenta queda de quase 4% no ano. Era também esperada uma alta nas taxas de juros, e no começo do ano a taxa das Treasuries de dez anos chegou a 4,80%, mas ela caiu para ao redor de 4,30%.
Ambos esses movimentos representam um afrouxamento expansivo das condições financeiras, neutralizando parte do aperto financeiro representado pela queda das bolsas. O índice de condições financeiras do Goldman Sachs, por exemplo, está hoje no mesmo nível do começo do ano.
Nenhuma recessão americana nos últimos 40 anos tem ocorrido sem algum choque exógeno negativo – como foi a pandemia – ou com uma crise financeira – como foi o estouro da bolha Nasdaq em 2000 ou a crise bancária de 2008. Até agora, pelo menos, não temos nem um nem o outro.
O “script” de recessão tem outro ingrediente importante: altas de juros básico promovida pelo Fed antes da recessão. Foi assim em 1991, 2000 e 2008 (altas de juros não causaram recessões em 1994 e 2022). Neste momento o Fed está cortando juros, e se houver uma virada negativa no “hard data”, podem apostar que Powell vai agir muito rapidamente para tentar salvar seu “soft landing”.
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O cenário global e a incerteza tarifária
As últimas recessões tiveram um caráter global, com o choque subjacente impactando negativamente vários países ao mesmo tempo.
Mas no caso atual a postura de Trump em relação tanto a seus aliados tradicionais como seu grande concorrente geopolítico, a China, tem feito esses países a anunciarem pacotes de estímulo fiscal.
No caso da Alemanha, maior economia da Europa, com um índice de endividamento de somente 63% do PIB, o pacote fiscal aprovado representará um gasto adicional de 20% do PIB.
Assim, diferente dos episódios recessivos recentes, não estamos vendo quedas sincronizadas de crescimento dos grandes blocos econômicos globais. O maior dispêndio fiscal europeu e chinês devem compensar, pelo menos em parte, qualquer queda de crescimento americano.
Corretamente muito da tese de recessão tem a ver com a alta da incerteza, e há estudos acadêmicos mostrando que alta de incerteza pode contribuir para a queda do crescimento econômico. E sem dúvida o vai-e-volta tarifário de Trump tem elevado o nível de incertezas.
Mas agora temos um horizonte, uma data, quando as incertezas tarifárias vão – pelo bem ou mal – diminuir (se não totalmente acabar): 2 de abril.
Nesta data o governo Trump vai divulgar suas tarifas recíprocas. Dada a expectativa de que haverá rodadas de negociações depois da divulgação, Trump tem como método de fixar posições “maximalistas” no início de qualquer negociação, em 2 de abril devemos saber, pelo menos, qual a extensão máxima do choque tarifário. Vamos saber o “ponto de partida máximo” do choque tarifário.
Agora há ainda o risco (este é o “porém” da minha tese otimista sobre o risco de recessão) de haver uma imposição tão alta de tarifas recíprocas que isso causaria uma recessão: isto é, um choque tarifário representaria um choque exógeno negativo forte o suficiente para causar uma recessão, como foi a pandemia.
Cálculos da Piper Sandler mostram que uma equalização completa de tarifas recíprocas elevariam a tarifa média americana para 15,5%, quando hoje está ao redor de 3%. Qualquer coisa perto de 15% causará, sem dúvida, uma recessão.
No início da semana os mercados subiram devido a uma matéria na Bloomberg citando fontes do governo que as tarifas recíprocas seriam mais “focadas” e seletivas. Apesar de essa notícia ser boa, a verdade é que a decisão será tomada somente por Trump, e provavelmente mais perto da data de 2 de abril.
Sabemos que há um grupo mais pragmático e um mais radical na questão tarifária dentro do governo – não ficaria surpreendido que o vazamento veio de uma fonte perto dos pragmatistas para mostrar a Trump os ganhos de uma postura tarifária mais comedida; afinal, sabemos que Trump gosta de ver as bolsas subindo.
Mas não devemos por isso já concluir que os pragmatistas vão ganhar o argumento. Até saber essa decisão final, não podemos bater o martelo na questão se haverá ou não uma recessão nos EUA.
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