São Paulo — A Prefeitura de São Paulo demoliu, na última quinta-feira (13/2), o Teatro Vento Forte e a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul, no Parque do Povo, sem a autorização prévia do conselho estadual de patrimônio, que tombou o parque há 30 anos. Enquanto a gestão de Ricardo Nunes (MDB) afirma que a ação no parque da zona oeste da cidade tenha sido feita conforme a legislação vigente, o conselho afirma que não registrou pedidos recentes de intervenção no local.
Em 1995, o Parque do Povo foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). O objetivo do tombamento é a preservação da base material para a realização das atividades culturais e de lazer ali desenvolvidas e, por isso, um conjunto de diretrizes é formado para qualquer alteração no local.
“Qualquer obra, edificação ou modificação na paisagem do parque necessária à realização de eventos ou atividades especiais, deverá ser precedida de autorização do Condephaat, bem como quaisquer alterações propostas para os limites físicos das atividades esportivas e culturais”, diz um dos artigos da resolução de tombamento, publicada no Diário Oficial do Estado em junho de 1995.
Em nota ao Metrópoles, o Condephaat informou que não há registros de pedidos recentes de intervenção no Parque do Povo. “Intervenções em imóveis tombados necessitam de deliberação, autorização e disponibilização dos documentos necessários para posterior execução pelo autor do pedido”, afirma o texto.
Já a prefeitura, por meio da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), reitera que a ação de desfazimento e reintegração de posse no local está em conformidade com a legislação vigente. “A pasta comunicou o Condephaat acerca das diversas irregularidades encontradas no local para as devidas providências”, afirmou.
O que diz a prefeitura
Segundo a gestão municipal, a ocupação do espaço pelo Teatro Vento Forte apresentava atividades incompatíveis com a resolução do órgão de patrimônio estadual.
“A estrutura de alvenaria foi construída em 2012 sem autorização do Condephaat, após o tombamento do local, ocorrido em 1995, e encontrava-se em condições precárias. À época do tombamento, havia na área apenas uma tenda”, argumenta a prefeitura.
“Além disso, a construção estava abandonada e não havia indícios de uso cultural ou teatral. Pelo contrário, o local era utilizado para atividades irregulares, como comércio de bebidas alcoólicas e estacionamento não autorizado, sem o conhecimento da administração municipal, mesma situação constatada em relação à escola de capoeira”, denuncia.
A gestão de Nunes destaca ainda que a edificação construída em 2012 também encontrava-se em desacordo com a própria resolução do tombamento, “que é explícita ao informar que em nenhuma hipótese serão toleradas construções com mais de dois pavimentos ou 10,00 metros de altura’”.
O Teatro Vento Forte está no local desde 1974, e a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul desde 2021, mas em uma estrutura do parque anterior ao tombamento.
Nas redes sociais, o teatro afirmou que os espaços com mais de 50 anos de história foram demolidos sem aviso prévio. “Um patrimônio histórico e cultural erguido por diversos artistas hoje renomados, onde tiveram a oportunidade de aprender a cultura. Sem avisar, sem preparar as pessoas, o poder público destruiu a cultura brasileira hoje!”
A Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul, no comando do Mestre Meinha, será realocada pela prefeitura. A Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa informou que disponibilizou o Centro Cultural da Diversidade, localizado no Itaim Bibi, para o mestre dar continuidade ao seu projeto.
A pasta estuda projetos para uma nova utilização do espaço no Parque do Povo, “respeitando seu valor cultural e social”.
Repercussão da demolição
Uma ação movida por psolistas na Justiça paulista pede a suspensão dos atos de alteração e destruição dos bens do Parque do Povo sem a autorização devida, assim como a realocação dos grupos de teatro e capoeira do espaço, “com a devida indenização pelos danos
sofridos e reconstrução das obras”.
Assinada nessa segunda-feira (17/2) pela deputada federal Luciene Cavalcante, pelo deputado estadual Carlos Giannazi e pelo vereador Celso Giannazi, a representação foi protocolada ainda essa segunda no Ministério Público de São Paulo (MPSP) e encaminhada à promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital.
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A Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) classificou a demolição do local como um “ataque direto à cultura, à memória e à diversidade artística e religiosa do país“. Além das artes cênicas, o espaço também era usado para a prática de capoeira.
A SBAT cobra investigação imediata e transparente sobre os fatos ocorridos.
“A ação da prefeitura de São Paulo através da subprefeitura de Pinheiros foi truculenta, desrespeitosa e ilegal. A falta de transparência e a ausência de documentação adequada demonstram um completo desprezo pelos direitos culturais e religiosos da comunidade. A intolerância religiosa e a destruição de patrimônios culturais são crimes que devem ser investigados e punidos com rigor”, diz a nota da entidade.
A ação também foi criticada por opositores políticos da gestão Nunes, como o deputado federal Guilherme Boulos (PSol), que foi derrotado pelo emedebista no segundo turno das eleições municipais no ano passado.
“O ataque sistemático à cultura é uma marca da extrema-direita e daqueles que orbitam ao seu entorno. Aqui, a Prefeitura de São Paulo descumpre uma decisão judicial e demole um espaço cultural com 50 anos de história, sem qualquer aviso prévio”, escreveu Boulos nas redes.