O leite materno é essencial para o desenvolvimento saudável do recém-nascido, pois oferece inúmeros benefícios nutricionais e imunológicos. No entanto, muitas mães enfrentam desafios que aumentam o risco do desmame precoce. As dificuldades podem ser multifatoriais: pega errada do bebê, dor ao amamentar, mamas muito cheias, lesões nos mamilos, retorno precoce ao trabalho, entre outros empecilhos.
E uma forma de obter ajuda nesse processo pode ser por meio de serviços de telelactação, que são consultas por videoconferência com especialistas para orientar sobre amamentação. Segundo um estudo conduzido nos Estados Unidos e publicado em fevereiro no Jama, as taxas de amamentação entre mulheres que tiveram acesso a esses serviços melhoraram significativamente — inclusive os índices de aleitamento exclusivo até os 6 meses de vida do bebê.
No Brasil, apenas 45,8% das crianças com menos de 6 meses receberam aleitamento materno exclusivo (AME), um número ainda considerado baixo, segundo o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), publicado em 2021. O levantamento aponta que a duração média do AME foi de somente três meses; já a da amamentação em geral foi de 15,9 meses.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o leite materno seja dado exclusivamente nos seis primeiros meses de vida, e orienta a seguir com a amamentação até os 2 anos ou mais da criança.
A pesquisa nos EUA
Os pesquisadores analisaram 1.911 mulheres com mais de 18 anos, moradoras de 39 estados americanos, que estavam no terceiro trimestre de gestação do primeiro filho e pretendiam amamentar.
Elas foram divididas em dois grupos: metade ganhou um smartphone com acesso a consultores de lactação 24 horas por dia por meio de chamadas de vídeo; a outra metade recebeu um e-book sobre cuidados infantis. Todas foram acompanhadas por 24 semanas após o parto.
Do total de participantes, 32% se identificaram como negras; 35,5% como latinas e 32,5% como de raças e/ou etnias diferentes de negros ou latinos. Entre as participantes, 48,8% usaram serviços de telelactação. Durante a análise dos resultados, 46,9% das pessoas do grupo de intervenção relataram amamentação exclusiva, em comparação com 44,1% da turma que não usou a consulta.
Olhando apenas pelo aspecto de raça, a proporção de participantes negras que relataram amamentação em seis meses foi de 65,1% no grupo que recebeu o suporte virtual, contra 57,4% do grupo controle.
Ao considerar a amamentação exclusiva no período, a diferença foi ainda mais significativa: 42,7% das mães negras que usaram a telelactação contra 33,9% do controle. Por isso, os autores sugerem que serviços de apoio virtual podem ser uma estratégia abrangente para reduzir as disparidades raciais nas taxas de amamentação.
Segundo a enfermeira Natália Turano, especialista em amamentação do Hospital Israelita Albert Einstein, os Estados Unidos contam com o serviço de telelactação há mais de dez anos. Inclusive, a Academia Americana de Pediatria publicou um livro em 2013, Breastfeeding Telephone Triage and Advice, sobre como passar orientações acerca do aleitamento por telefone.
Apesar de os resultados do estudo mostrarem uma melhora na taxa de amamentação exclusiva entre mulheres negras que receberam o apoio virtual, Turano considera que o número ainda é muito baixo e longe do ideal.
“O mundo perfeito seria que toda mulher conseguisse amamentar seu filho por pelo menos seis meses. Mas sabemos que isso é muito difícil, ainda mais nos Estados Unidos, um país onde poucas mulheres amamentam”, comenta Turano, que também é do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Segundo a especialista, as dificuldades de amamentação entre mulheres negras são históricas. Entre os fatores sociais, econômicos e estruturais que as levam a amamentar menos estão herança histórica e cultural; falta de suporte adequado; menos orientação sobre amamentação no pré-natal e no pós-parto; maior taxa de cesarianas e intervenções médicas; retorno precoce ao trabalho (dificultando a continuidade da amamentação); influência da indústria de fórmulas infantis, além do racismo estrutural na saúde, com menos incentivo ou informações chegando a elas.
A dificuldade de manter a amamentação pelo tempo mínimo recomendado pela OMS também acontece no Brasil, inclusive entre a população preta. “Se a mulher não trabalhar com carteira de trabalho registrada, ela provavelmente vai voltar a trabalhar mais rápido para não comprometer a renda e pode parar de amamentar”, observa Turano.
Telelactação no Brasil
O serviço de telemedicina para apoio à amamentação ainda não é amplamente disponível no Brasil, principalmente na rede pública de saúde. A maioria das mulheres não tem acesso a profissionais especializados. Uma sugestão da especialista é buscar orientação e atendimento na maternidade onde o bebê nasceu ou nos bancos de leite mais próximos de casa.
Para isso, basta acessar o site da Rede Global de Bancos de Leite Humano no Brasil, incluir a cidade e o estado, e serão informadas as unidades mais próximas da casa da lactante.
No Einstein, um serviço de suporte à amamentação virtual foi criado em 2020, devido à pandemia de Covid-19. Como as mães não podiam buscar atendimento presencial para tirar dúvidas, a maternidade lançou o atendimento à distância para que as pacientes pudessem receber apoio e suporte contínuo ao aleitamento.
“No atendimento virtual, utilizamos bonecos e materiais didáticos [uma mama de crochê, por exemplo] para ensinar a mulher no manejo correto da amamentação. Essa é uma ferramenta essencial, que auxilia muitas mães nesse período”, conta Turano.
De acordo com a consultora de amamentação, muitas mulheres acabam fazendo o desmame precoce por falta de orientação e por não conseguirem sanar dúvidas básicas. Ela ressalta que o tema precisa ser abordado com a gestante desde o pré-natal e o apoio deve começar na maternidade e perdurar no pós-parto.
“Amamentar é um processo de aprendizado tanto para a mãe quanto para o bebê. Não é tão instintivo e natural quanto se diz”, afirma. Por exemplo: se o bebê não conseguir fazer a pega correta da mama, ele não vai se alimentar adequadamente. Como consequência, a produção de leite materno pode diminuir por falta de estímulo. Diante disso, muitas mulheres acabam desistindo de amamentar e introduzem a complementação artificial.
Contudo, apesar da praticidade do serviço de telelactação, há situações em que ele pode não ser suficiente. “Importante ressaltar que casos mais complexos precisam ser avaliados presencialmente, pois nem tudo é possível fazer por uma chamada de vídeo. Mas dá para combinar atendimento presencial e virtual”, pontua a especialista.
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