A ofensiva comercial do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, levada a cabo por meio de uma série de anúncios de tarifas adicionais sobre produtos importados de diversos países, tem sido uma das principais marcas da nova gestão da Casa Branca, que acaba de completar seu primeiro mês.
Na semana passada, o líder norte-americano causou uma nova onda de preocupação nos mercados e em dezenas de governos nos quatro cantos do mundo ao anunciar o que chamou de “tarifas recíprocas” a todas as nações que cobram taxas de importação sobre produtos dos EUA. Uma delas é o Brasil.
Batizado de “Plano Justo e Recíproco”, o memorando assinado por Trump e que deve servir como norte para as novas tarifas – ainda não detalhadas – menciona expressamente o etanol do Brasil.
O etanol é um combustível obtido a partir da cana-de-açúcar por meio de processos como moagem, fermentação e destilação. O etanol anidro é um tipo de álcool com teor de água muito baixo, também conhecido como “etanol puro” ou “absoluto”. Já o etanol hidratado, vendido nos postos, é um biocombustível que contém água e álcool.
“A tarifa dos EUA sobre o etanol é de apenas 2,5%. No entanto, o Brasil impõe uma tarifa de 18% sobre as exportações de etanol dos EUA. Como resultado, em 2024, os EUA importaram mais de US$ 200 milhões em etanol do Brasil, enquanto exportaram apenas US$ 52 milhões para o país”, diz o documento.
Segundo a Casa Branca, o memorando tem o objetivo de “corrigir desequilíbrios de longa data no comércio internacional e garantir equidade em todos os setores”. “Chega de os Estados Unidos serem explorados: esse plano priorizará os trabalhadores norte-americanos, fortalecerá a competitividade industrial, reduzirá o déficit comercial e reforçará a segurança econômica e nacional”, afirma o texto.
Saiba mais
- Em linhas gerais, os memorandos são considerados menos formais do que os decretos que vêm sendo assinados pelo presidente dos EUA – que regulamentam o “tarifaço” imposto pelo governo Trump contra alguns de seus maiores parceiros comerciais.
- Ao contrário do que ocorreu no último dia 10, quando Trump assinou um decreto que determinava a taxação em 25% de todas as importações norte-americanas de aço e alumínio (em decisão que começa a valer a partir de 12 de março), desta vez não houve anúncio de quais serão as novas tarifas. Mas a ameaça ficou no ar, devidamente documentada e comunicada de forma oficial pela Casa Branca.
- Em dezembro do ano passado, o déficit comercial dos EUA subiu 24,7%, para US$ 98,4 bilhões, de acordo com dados do Departamento de Comércio.
- Este foi o maior resultado negativo da balança comercial norte-americana em quase 3 anos, desde março de 2022.
- O déficit da balança comercial de um país acontece quando as importações superam as exportações – é o caso dos EUA, que importou mais do que exportou. Quando ocorre o contrário, há superávit.
Os impactos do “tarifaço” no etanol brasileiro
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem do Metrópoles, apesar da preocupação do agronegócio em relação ao aumento das tarifas impostas pela maior potência econômica do mundo, o setor deve sofrer um impacto limitado. As tarifas sobre o etanol brasileiro, portanto, não seriam capazes de causar estrago no segmento que vem alavancando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país nos últimos anos.
Dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) referentes à safra de 2023/2024 mostram que a produção de etanol no Brasil está focada no mercado interno – apenas 7% do combustível produzido no país é exportado. Somente 1% do etanol brasileiro tem como destino os EUA.
Na última safra, segundo a Unica, a produção de etanol no Brasil foi de 33,6 milhões de metros cúbicos, mas apenas 2,5 milhões de metros cúbicos foram exportados para outros países. Para os EUA, foram destinados 444,9 mil metros cúbicos do etanol do Brasil, o que representa pouco mais de 1% do total da produção nacional.
“É muito pouco representativo para o Brasil. Nosso país coloca esse álcool que vai para os EUA com facilidade em outros mercados”, afirma Octaciano Neto, cofundador da Avra (consultoria de crédito voltada para médios agricultores) e ex-secretário estadual de Agricultura do Espírito Santo.
“Se aumentar a tarifa para o álcool brasileiro, é evidente que haverá uma dificuldade para exportar. O Brasil terá de procurar outros caminhos. Mas, em geral, esse movimento do Trump pode até ajudar o agro”, aposta Octaciano.
“Se ele [Trump] tensionar a relação com a China, podemos nos beneficiar disso. O Brasil é o país mais preparado e com a mais ampla cesta de produtos para ampliar a sua posição na China. Pode ser que, pontualmente, seja ruim para o álcool. Olhando o macro, pode até ser positivo”, explica.
Em 2024, de acordo com dados da Unica, os EUA ficaram em segundo lugar no ranking de maiores compradores do etanol brasileiro, atrás da Coreia do Sul. Os números indicam que os norte-americanos vêm reduzindo o volume de compras no Brasil: em 2019, o país importou 1,1 bilhão de metros cúbicos (o que correspondeu a 63% do total embarcado); no ano passado, foram importados 309,7 milhões de metros cúbicos (16,3%).
“O Ministério da Agricultura, e não apenas neste governo, mas há muito tempo, vem fazendo um trabalho relevante de abertura de novos mercados para o Brasil. Isso não é uma novidade para o governo brasileiro”, diz Octaciano Neto. Segundo ele, “o caminho natural para o país é procurar a Ásia, que tem um grande mercado e uma grande população”. “Não vejo que isso será um cavalo de pau que mude a estratégia brasileira e uma política que já vem sendo adotada há muitos anos”, afirma.
Em compasso de espera
Apesar do tom enfático das ameaças de Donald Trump, entidades ligadas ao agronegócio e à indústria vêm adotando cautela na reação inicial ao anúncio das novas tarifas ao etanol brasileiro.
Em nota conjunta, a Unica e a Bioenergia Brasil, as duas principais entidades do setor sucroalcooleiro do país, afirmam que “a medida pretende colocar no mesmo patamar o etanol produzido no Brasil e nos Estados Unidos, embora possuam atributos ambientais e potencial de descarbonização diferentes e, portanto, não faz sentido falar em reciprocidade”.
“Se a medida se confirmar, será mais um passo dos Estados Unidos rumo ao abandono à rota de combate à mudança do clima”, diz o comunicado. “Esperamos que os estados americanos e a indústria local, comprometidos com o combate à mudança do clima, trabalhem para impedir esse retrocesso proposto pelo governo”, defendem Unica e Bioenergia.
Também por meio de nota, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) diz que “o Brasil está longe de ser uma ameaça comercial para os Estados Unidos” e que, “nas últimas duas décadas, os norte-americanos registraram superávits comerciais com o Brasil em 16 oportunidades”.
“A Fiesp confia que as bases deste relacionamento histórico sejam suficientes para que uma solução rápida seja encontrada, com base nas regras internacionais de comércio, e em benefício das indústrias tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos”, afirma a federação industrial.
Entidades como a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) e a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) ainda aguardam um maior detalhamento sobre as tarifas por parte do governo norte-americano.
“É importante termos em conta que o presidente Donald Trump já havia feito anúncios antes sobre tarifas para o México e o Canadá, e ele acabou voltando atrás”, observa João Daronco, analista da Suno Research. “É muito cedo para avaliarmos de forma definitiva. Temos de entender se será, de fato, algo permanente ou se é algo está sendo utilizado como barganha dos EUA para conseguirem alguma vantagem.”
Octaciano Neto, da Avra, tem entendimento semelhante. “O presidente Trump tem feito ameaças desde a campanha eleitoral. A impressão que eu tenho é a de que essas ameaças vão muito mais no sentido de chamar outros países para o diálogo, mesmo que de forma atabalhoada, do que, efetivamente, uma represália”, afirma. “Com isso, não quero dizer Trump não vai cumprir o que está prometendo. Certamente algumas dessas ameaças vão se tornar realidade”, pondera Octaciano.
“Mas a estratégia correta para o Brasil é seguir o que o Itamaraty sempre fez na política externa: não ‘trucar’. Gritar ‘truco’ e começar a falar alto na mesa não é a política correta. O certo é não reagir publicamente aos EUA e atuar nos canais diplomáticos oficiais, fortalecendo um caminho de diálogo, longe das manchetes de jornais e dos rompantes.”