A queda de uma árvore em uma área de várzea no município de Fonte Boa (AM) no início de maio revelou sete urnas funerárias indígenas de até 90 centímetros de diâmetro. As urnas estavam enterradas sob raízes de árvores gigantes da Amazônia, a cerca de 40 centímetros de profundidade, e continham ossos humanos, de peixes e tartarugas.
O achado arqueológico ocorreu no Lago do Cochila, uma ilha artificial construída por povos ancestrais na região do Médio Solimões. Segundo arqueólogos, o local abrigava antigas moradias sobre plataformas de terra e cerâmica erguidas para resistir às cheias do rio.
A arqueóloga Geórgea Layla Holanda, do Instituto Mamirauá, lidera os trabalhos de resgate e estudo das urnas. Em comunicado à imprensa, ela classificou a descoberta como “uma das mais significativas da arqueologia amazônica nos últimos anos”.
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Ilhas artificiais e práticas rituais
A investigação arqueológica ocorre em conjunto com a comunidade ribeirinha de São Lázaro do Arumandubinha. A parceria foi essencial para garantir o acesso ao local da descoberta, que só pode ser alcançado por caminhos fluviais.
Walfredo Cerqueira, manejador de pirarucu, foi quem identificou as urnas presas às raízes. Ele acionou o padre Joaquim Silva, que repassou o alerta ao arqueólogo Márcio Amaral, do Instituto Mamirauá.
Assim se iniciou a jornada para resgatar os objetos ritualísticos. A forma que as ossadas foram encontradas, segundo os arqueólogos, sugere práticas funerárias associadas a rituais alimentares, comuns em tradições indígenas.
Para Geórgea Layla, o esforço conjunto revelou mais que urnas. “É um reencontro com modos de vida ancestrais que resistem no presente por meio dos saberes tradicionais da floresta”, afirma.
Cerâmicas de engenharia ancestral
As urnas têm características inéditas para a região. “São de grande volume, sem tampas cerâmicas visíveis, o que pode indicar um selamento com um material orgânico já decomposto”, explicou a arqueóloga.
A escavação demandou soluções específicas. A equipe ergueu uma plataforma de madeira e cipós para trabalhar acima do solo alagadiço. Segundo Márcio Amaral, as ilhas artificiais onde as urnas foram encontradas foram edificadas pelas comunidades ancestrais com solo e fragmentos cerâmicos retirados de outras áreas. “É uma técnica sofisticada, que revela conhecimento de engenharia e ocupação intensa do território”, afirmou.
Urnas funerárias foram resgatadas com auxílio da comunidade
Dados inéditos encontrados nas urnas
Após terem sido recuperadas, as peças foram levadas para Tefé (AM), sede do Instituto Mamirauá, distante 12 horas de barco. O esforço logístico reflete as dificuldades de acesso a sítios arqueológicos na região amazônica. O trabalho de campo se estendeu por semanas, com apoio constante de moradores.
As urnas e fragmentos recolhidos estão sob análise. Os primeiros resultados mostram argila esverdeada rara e faixas vermelhas sem associação direta com tradições conhecidas, como a Polícroma da Amazônia.
Os dados sugerem a existência de um horizonte cerâmico ainda não documentado na região do Alto Solimões. O material pode representar uma tradição local até então desconhecida pela ciência.
A descoberta também amplia o entendimento sobre o uso das várzeas por povos ancestrais. Por muito tempo, arqueólogos consideraram as áreas como espaços de ocupação temporária. As novas evidências apontam para residências permanentes e organizadas na região alagada.
As estruturas artificiais elevadas permitiam moradia, rituais e práticas agrícolas durante o ano inteiro. A equipe espera encontrar mais artefatos sob outras árvores tombadas no Lago do Cochila.
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