A Westwing Brasil (WEST3), um site que vende produtos de decoração, surgiu em 2011, como subsidiária da multinacional alemã de mesmo nome que, na mesma época, iniciou operações em vários países da Europa e Ásia.
O e-commerce começou a dar muito certo logo de cara, vendendo produtos caros, com um catálogo que contava com uma curadoria muito bem feita e uma base de clientes bastante fiel e ativa.
Veio o ano de 2020 e com ele a pandemia. As pessoas, sem poder viajar ou sair de casa, concentraram suas compras em lojas online, o que fez disparar os negócios de todo e qualquer e-commerce.
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Na Westwing, as vendas brutas cresceram 23% no 1º trimestre de 2020; 104% no 2º trimestre; e 129% no 3º trimestre. A empresa alugou novos espaços para armazenar mais estoque. O plano era, mesmo após a mudança brusca de patamar, crescer de 20% a 30% ao ano dali para a frente, mas de forma mais estruturada, com capital.
E, logo no comecinho de 2021, a empresa fez uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na B3. Levantou R$ 1,16 bilhão, dos quais R$ 430 milhões para financiar a expansão — o restante foi para o bolso dos acionistas, os administradores e o fundo Axxon.
A Westwing aumentou ainda mais o espaço de armazenagem e de centro de distribuição e mais do que quadruplicou as áreas de marketing e TI; mas o momento mais agudo da pandemia passou, as pessoas voltaram a sair de casa, e a receita começou a encolher.
“A disparada nas vendas na pandemia não veio da conquista de uma demanda nova pelos produtos, mas sim por uma antecipação gigantesca de demanda de quem estava preso em casa, não tirava férias, e saiu reformando tudo. Não era sustentável”, diz um gestor de fundos.
Um ano depois da estreia na Bolsa, a ação da Westwing já acumulava queda de 74%; da estreia até hoje, a desvalorização é de 95,96%.
O fracasso da tese do e-commerce na B3
Essa é a história da Westwing, mas o mesmo enredo vale também para várias outras empresas ligadas ao e-commerce que vieram à bolsa no boom de IPOs de 2020-21.
Entre as companhias que abriram o capital na B3 na onda do “novo normal” da pandemia estão a varejista de móveis e produtos para casa Mobly (MBLY3), o site de compra e venda de produtos usados Enjoei (ENJU3), a empresa de logística Sequoia (SEQL3) e a Infracommerce (IFCM3), de infraestrutura para negócios online.
Desde que chegaram à bolsa, todas acumulam desvalorização da ordem de 90%. “Parece claro que nenhuma delas valia o quanto se acreditou na pandemia”, resume um analista.
Na época da abertura de capital dessas empresas, a tese do mercado era a de que os hábitos de consumo da pandemia continuariam após a reabertura da economia. Em outras palavras, acreditava-se que a covid havia apenas antecipado a mudança de comportamento do consumidor.
“O fato é que muita gente colocou a expectativa de alto crescimento para esses negócios praticamente constante, mesmo depois de vencido o coronavírus,” diz o analista.
Além disso, o IPO das empresas ligadas ao e-commerce ocorreu em um cenário de juros extremamente baixos e com uma economia anabolizada pelos estímulos dos governos.
O problema é que, logo na sequência, as taxas de juros começaram a subir, o que também afetou a expectativa de retorno sobre o investimento em ações.
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Ação em baixa, dinheiro em caixa
A pergunta que fica é: essas empresas têm salvação? Ou seja, a queda das ações representa uma oportunidade para o investidor?
Na visão dos analistas e gestores com os quais a reportagem do Seu Dinheiro conversou, apesar do enredo comum, cada companhia tem suas especificidades e tenta encontrar um caminho.
Em um determinado momento, as ações ficaram tão depreciadas que começaram a atrair investidores por outras razões. De olho no caixa de R$ 150 milhões da Westwing, a gestora WNT comprou ações até se transformar no principal acionista da companhia em 2023.
Com a frustração do cenário no pós-pandemia, um dos desafios para as companhias é “voltar às origens”. “Só que não é exatamente simples voltar a estrutura de custos para os patamares anteriores”, afirma um analista.
Com um caixa remanescente de quase R$ 200 milhões do total que obteve na oferta de ações, o brechó online Enjoei também conseguiu atrair um novo sócio. Em novembro do ano passado, Eugênio de Zagottis, que esteve no comando da Raia Drogasil por 20 anos, comprou ações da empresa e foi para o conselho.
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Em entrevista ao site Brazil Journal, Zagottis disse que apostava nos planos da empresa de expansão no varejo físico — são três lojas, em São Paulo. Mas desde que ele entrou no conselho, a ação praticamente não mexeu o ponteiro na B3.
“A Enjoei nunca vai valer o que se achava que valia no IPO, isso é um fato. Mas operacionalmente ela está melhor equacionada, tem caixa e pode estar próxima do breakeven [ponto de equilíbrio]”, afirma um gestor.
A varejista chegou à bolsa com valor de mercado de R$ 2 bilhões e meses depois atingiu um pico de R$ 4,5 bilhões, mas vale hoje apenas R$ 250 milhões na B3.
(Con)fusão na Mobly
Uma alternativa clássica para se obter redução de custos é via fusões e aquisições. Mas o caso da Mobly é um bom exemplo de que essa é uma receita bem mais complicada na prática.
A varejista de móveis e decoração atua no mesmo ramo da Etna, que fechou as portas em 2022, e da Tok&Stok, que saiu correndo para reforçar a operação online para aproveitar o boom da pandemia, mas mesmo assim quase quebrou.
A proposta da Mobly no IPO na B3 era digitalizar o setor de venda de móveis, que ainda seguia — e segue — o modelo de varejo tradicional.
“Nesse caso, acredito que o problema está relacionado ao produto, mais até do que ao e-commerce. Vender mobília exige muito capital empregado e não tem giro rápido”, diz um gestor.
Ano passado, a Mobly comprou a Tok&Stok, criando a Toky — numa operação que une duas empresas em dificuldades, mas que se transformaram numa das poucas do país com estrutura logística voltada para móveis. Além disso, a marca Tok&Stok tem apelo com o público.
O problema é que a operação tem como pano de fundo uma intensa briga societária — os fundadores da Tok&Stok, da família Dubrule, não aceitaram a venda e as trocas de acusações, principalmente com os sócios do Carlyle, cuja operação foi assumida pela SPX no Brasil, têm sido constantes.
“Não bastassem as dificuldades do negócio, ainda tem esse litígio. Ou seja, melhor fugir desse papel. Nem olho”, disse um gestor.
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Logística complicada
Na onda do avanço do e-commerce na pandemia, empresas que prestam serviços ao segmento também aproveitaram para captar recursos de investidores em ofertas de ações na B3.
Sequoia e Infracommerce, por exemplo, aproveitaram a janela de IPOs vendendo uma tese de que acompanhariam o crescimento acelerado das plataformas de comércio online por estarem na cadeia de prestação de serviço para essas empresas.
“Isso também não se comprovou. Nesses negócios de logística há muito capital empregado e pouco valor de retenção e margem,” disse um analista.
Com uma proposta de especialização em logística para e-commerce, a Sequoia enfrentou problemas de crescimento e falhas operacionais. Isso sem falar da concorrência feroz de gigantes como Mercado Livre e Magalu, que passaram a internalizar a própria entrega.
Os resultados frustraram, e a empresa perdeu valor de mercado rapidamente — a queda desde o IPO é de 99,5%.
“A Sequoia vai ter de procurar um nicho para as suas operações, com mais eficiência. Mas não se pode descartar uma venda ou fusão com concorrentes,” diz um gestor.
Na Infracommerce, que oferece serviços e infraestrutura para a digitalização dos canais de venda, o negócio se mostrou com margens apertadas e pouca diferenciação.
Para piorar, a companhia teve um problema que já atingiu muitas outras que chegaram à bolsa: “Eles tinham o plano de crescer via fusões e aquisições, mas fecharam várias operações a preços errados, se alavancaram e ainda tiveram dificuldades de integração,” diz um gestor.
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Negócio difícil
De modo geral, o mercado pagou demais por empresas ligadas ao e-commerce. “Mas esse negócio, mesmo para quem tem volume alto de vendas, mostrou que não é trivial. Na Amazon, boa parte da lucratividade vem do serviço de data center de cloud computing,” diz um analista do setor.
Por fim, vale destacar que o problema com o e-commerce não foi exclusivo das novatas da B3. Mesmo empresas tradicionais do segmento, como Magazine Luiza e Casas Bahia, subiram brutalmente e depois despencaram no pós-pandemia. Isso sem falar no caso da fraude contábil bilionária da Americanas.
O fato é que sempre a tese do e-commerce na B3 nada mais é do que um fenômeno que se repete de tempos em tempos, quando um grupo de empresas de um determinado setor em crescimento acelerado aproveita uma janela para levantar recursos em ofertas de ações na B3.
“O problema é que nesse momento é muito difícil distinguir o que é permanente e o que é passageiro”, afirma um gestor de fundos que já vivenciou outras ondas do tipo.
A tese do e-commerce acabou tropeçando em problemas conhecidos: baixa escala, margens apertadas, competição intensa e, acima de tudo, promessas feitas muito antes de os fundamentos estarem prontos.
“Hoje, a sobrevivência e eventual recuperação dessas empresas depende menos de narrativas e mais de execução sólida, governança madura e foco em resultados reais”, afirma.
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