Os chamados tubarões do mercado são aqueles investidores institucionais que têm tantos bilhões na conta para investir que são capazes de “fazer preço” no mercado. É o caso dos fundos de pensão, grandes fundos de investimento ou de previdência ou mesmo grandes gestoras e empresas de investimento.
Em outras palavras, suas movimentações são volumosas o suficiente para elevar ou derrubar os preços dos ativos, deixando o investidor pessoa física à mercê das decisões desses grandes gestores.
Todo esse poder de fogo, no entanto, também tem seu lado negativo. Um bastante conhecido é a dificuldade que esses tubarões tem de investir em ativos de volume de negociação pequeno, como as empresas de baixo valor de mercado, conhecidas como small caps.
Não é simples para esses fundos montar ou desmontar posições nesses papéis pouco negociados. Pode ser impossível adquirir ou vender uma quantidade relevante desses ativos com celeridade e a um bom preço, justamente pela baixa liquidez.
Outra desvantagem foi sinalizada recentemente em um estudo divulgado pela Duke Fuqua School of Business, a escola de negócios da Duke University, do estado norte-americano da Carolina do Norte: diz respeito ao poder que as movimentações dos grandes fundos de pensão têm de provocar uma espécie de profecia autorrealizável no mercado a partir do rebalanceamento da sua carteira.
60% em ações, 40% em renda fixa: a estratégia das proporções fixas no portfólio
Nos Estados Unidos, é comum que fundos de pensão invistam uma proporção pré-determinada do seu portfólio em cada classe de ativos, procurando sempre mantê-la ao longo do tempo.
Esta tende a ser uma estratégia vencedora para os investidores e pode ser praticada até mesmo por pessoas físicas, pois tira o componente emocional da jogada e previne o investidor de cair na armadilha de vender os ativos na baixa e comprar na alta.
Assim, digamos que, pelo seu perfil de risco, você deseje que 60% da sua carteira se mantenha sempre alocada em ações e os outros 40% em renda fixa.
Em épocas em que as ações sobem, a sua parcela em ações pode crescer acima dos 60%, reduzindo a proporção de renda fixa na carteira; já em tempos de juros mais altos, por exemplo, as ações podem se desvalorizar, e sua parcela cair abaixo de 60%, enquanto a renda fixa, pagando mais, cresce em tamanho no portfólio.
Segundo a estratégia de rebalanceamento, quando esse desequilíbrio ocorre, o investidor deveria vender os ativos que agora ocupam uma parcela maior da carteira e comprar mais dos que ocupam uma parcela menor até atingir o equilíbrio novamente — no exemplo, 40% renda fixa, 60% ações.
Assim, se as ações subiram ao ponto de perfazerem mais de 60% da carteira, segundo este exemplo, o investidor deveria realizar os lucros e aproveitar para comprar mais daqueles ativos que se depreciaram e reduziram a exposição do portfólio.
Os grandes fundos de pensão costumam fazer esse rebalanceamento de maneira automática, que pode ser ou periódica (mensal ou trimestral) ou ocorrer sempre que o fundo ficar desenquadrado da proporção estabelecida.
Outros gestores passam na frente dos fundos de pensão
Mas segundo o artigo “As consequências não intencionais do rebalanceamento” — do professor Campbell Harvey, da Duke Fuqua School of Business, em parceria com Alessandro Melone, da Ohio State University, e Michele Mazzoleni, do Capital Group — esse rebalanceamento automático pode ter efeitos deletérios para esses tubarões do mercado, e levá-los a perder um bom dinheiro.
Segundo o estudo, os ajustes automáticos previsíveis de carteira funcionam como sinais para outros investidores, como os fundos de hedge (similares aos nossos multimercados), que se valem da indicação de que os grandes fundos de pensão devem comprar ou vender certos ativos para lucrar com a antecipação do movimento. Afinal, as carteiras dos fundos de investimento são públicas.
“Suponha que o fundo de pensão [que investe numa estratégia 60/40] tenha se desenquadrado para 65-35. Ele precisa então vender um pouco de ações. Traders sofisticados sabem disso e começam a vender antes do fundo de pensão — eles saem na frente no trade —, derrubando os preços das ações”, explicou o professor Campbell Harvey em entrevista ao site da Duke Fuqua.
Para mostrar que a estratégia de rebalanceamento automático e previsível dos fundos de pensão pode ocasionar perdas para o próprio fundo em razão desse movimento, Harvey e seus parceiros calcularam os desvios de um portfólio 60/40 utilizando dados de mercado entre 1997 e 2023.
Foram analisadas tanto as situações em que o rebalanceamento ocorre sempre que há um desenquadramento, quanto aquelas em que ocorre em períodos regulares (mensais ou trimestrais).
A conclusão foi de uma perda estimada de US$ 16 bilhões por ano para os fundos de pensão devido a esses rebalanceamentos previsíveis.
Considerando-se que o salário anual médio nos EUA é de US$ 63.700 e que os trabalhadores poupam em média 7,4% dos seus rendimentos para a aposentadoria (cerca de US$ 400 por mês), isso representa perdas de US$ 200 por ano para cada pensionista, ou um mês inteiro de contribuições a cada dois anos. E, segundo Harvey, trata-se de uma estimativa conservadora.
Para validar os dados, os pesquisadores fizeram uma mesa-redonda com um “grupo que representa uma rede global de pensões públicas”, responsável pela gestão de cerca de US$ 2 trilhões.
Os participantes, que incluíram Chief Investment Officers (CIOs) desses investidores institucionais, confirmaram que estão cientes dos custos associados com políticas previsíveis de rebalanceamento.
Uma fonte inclusive apontou a dificuldade de convencer o comitê de investimentos do fundo a mudar a política de rebalanceamento, dizem os pesquisadores.
Outra mencionou que é mais fácil simplesmente deixar os times responsáveis por gerar retornos acima da média do mercado (“alfa”, no jargão do mercado) explorarem a previsibilidade do rebalanceamento automático.
“É extraordinário que um fundo de pensão efetivamente anteciparia seu próprio trade e o de outros fundos de pensão”, comenta Harvey.
Qual seria a solução? (E a vantagem do investidor pessoa física)
A pesquisa reafirma que o rebalanceamento é importante para manter a diversificação e gerenciar o risco das carteiras. “Sem o rebalanceamento, um portfolio equilibrado 60/40 ações/títulos desviaria para 80/20 em cerca de dez anos”, escrevem os pesquisadores.
No entanto, eles defendem que esse rebalanceamento mecânico “não é sábio” e leva a custos desnecessários. “O problema é que os trades são conhecidos de antemão”, diz Harvey, que defende que nunca é uma boa ideia anunciar uma transação antecipadamente, principalmente quando se trata de quem “faz preço” no mercado.
Segundo o professor, a intenção do artigo não era apontar uma solução, pois mais pesquisas seriam necessárias para desenvolvê-la. No entanto, ele sugere que o rebalanceamento pelos grandes fundos de pensão deveria ser menos previsível.
Isso que pode ser um problema para o grande investidor, porém, não é para o pequeno. Fundos menores e mesmo pessoas físicas também dispõem de vantagens ante os tubarões quando se trata de investir, e a pesquisa da Duke Fuqua aponta uma delas: a possibilidade de usar a estratégia do rebalanceamento para não cair em tentação e sem precisar se preocupar com antecipações do mercado aos seus movimentos.
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