Todo idioma tem palavras intraduzíveis, que dizem um tanto sobre o que pensa e sente quem fala aquela língua. Aqui temos “saudade”, calorosa e apegada como tantos de nós. Em dinamarquês, há “hygge”, expressão que relaciona conforto e simplicidade como um estilo de vida.
Essa informação poderia passar batido apenas como uma curiosidade linguística, se não dissesse tanto sobre o que faz o turismo nos países nórdicos ser tão único e almejado pelos viajantes do mundo todo.
Em uma região conhecida por estar sempre no topo dos rankings de felicidade e qualidade de vida e na lanterna dos índices de corrupção e desigualdade social, o que importa mais não é a extravagância ou a ostentação.
Por lá vale mais a pena sentar em frente à lareira, com uma boa xícara de chocolate quente em mãos – não à toa, uma das práticas associadas ao hygge.
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É por isso que, quando se fala de viagem de luxo na Escandinávia — composta pela Noruega, Dinamarca e Suécia — e nas adjacências — Finlândia, Islândia, Groenlândia e Ilhas Faroé —, você não deve esperar um hotel cinco-estrelas nem grandes redes hoteleiras.
O hype não está em andar de Ferrari nas ruas, nem desfilar bolsas de marca em shoppings e galerias suntuosas. Na verdade, antes mesmo do termo quiet luxury (luxo silencioso) se popularizar nas redes sociais, os nórdicos já tinham incorporado esse conceito.
“Tudo é pensado para oferecer às pessoas um serviço com muita qualidade, não para ficar mostrando para os outros que é o mais caro. Você não consegue sair de Dubai e fazer uma viagem na Escandinávia e achar que tudo aquilo que você viu em Dubai vai ter lá”, explica Roberta Perez, CEO e fundadora da Nordic Ways.

O verdadeiro luxo em uma viagem para a região escandinava está em praticar o slow travel.
Apreciar com calma a fauna e a flora únicas, saborear os ingredientes frescos da gastronomia refinada, hospedar-se em acomodações diferenciadas que se conectam com a natureza (como hotéis de gelo e cabanas nas montanhas) e fazer passeios sem o estresse do tic-tac do relógio.
“O luxo não está ligado ao excesso, e sim à exclusividade, ao contato muito próximo com a natureza e à experiência exclusiva de estar em locais remotos com todo o suporte e estrutura para te dar conforto”, diz Thiago Coelho, um dos fundadores da Borealis Expedições.
Em um período em que o turismo de massa ameaça destinos queridos pelos viajantes, incluindo as cidades mais “clássicas” da Europa (como Roma, Paris, Veneza e Barcelona), a Escandinávia e os países próximos oferecem uma experiência de viagem autêntica e ainda pouco explorada.
A ideia de ter vivências singulares e exclusivas atrai especialmente aqueles viajantes que querem fugir do lugar-comum e dos lugares comuns.
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Ainda que esteja muito longe de viver o fenômeno do overtourism, o aumento do turismo nos países nórdicos é um fato consolidado e sentido pelas agências de viagens.
“Em 2019, a busca já estava acelerada. Depois da pandemia, o turismo só continuou crescendo. A procura do brasileiro aumentou, especialmente o brasileiro que tem uma vida urbana”, diz Roberta Perez.
“Esse crescimento é muito claro. Nós trabalhamos com essa região há 10 anos e só no ano passado, por exemplo, a Borealis duplicou o volume de clientes”, complementa Pedro Coelho.
Em busca de sombra e água fresca?
Dois fenômenos relacionados ao clima podem impulsionar ainda mais as viagens para a região escandinava em 2025 e nos próximos anos.
O primeiro é a ascensão do turismo astronômico. Um estudo do Booking no começo do ano mostrou que 64% dos brasileiros queriam realizar “atividades astronômicas” nas viagens, como a observação de estrelas e de eventos cósmicos raros.
Nesse sentido, os países nórdicos se destacam pela Aurora Boreal e pelo sol da meia noite.
Já o segundo é a busca por coolcations no verão. O termo em inglês explica a tendência: cool (fria, amena) + vacation (férias). Em suma, muitos viajantes estão em busca de destinos mais frescos para aproveitar o verão.
Lugares tipicamente cobiçados para o verão europeu, como Grécia, Itália e Croácia, estão perdendo espaço devido às altas temperaturas registradas durante os meses de junho a agosto.
O movimento ainda é incipiente, mas já está sendo notado por agentes do mercado. A plataforma de viagens Virtuoso revelou à Vogue US que, em 2024, destinos mais frescos como Finlândia e Islândia tiveram alta de 44% na busca para os meses de verão.
Sergio Palamarczuk, diretor da Slavian Tours, explica que as experiências no verão e no inverno na região nórdica são totalmente distintas. Se nos meses mais frios o foco são os passeios no Círculo Polar Ártico e as atividades de neve, no verão, a estrela são os fiordes.
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Turismo sustentável: uma ‘moda atemporal’ nos países nórdicos
Todo o boom das viagens para a Escandinávia e países adjacentes acontece em um contexto em que o turismo sustentável não é apenas uma tendência, muito menos uma prática “para inglês ver”.
A CEO da Nordic Ways explica que a região já adota práticas eco-friendly há mais de 20 anos e está em um patamar bem mais avançado. Um exemplo: o lixo por lá tem 8 separações.
A preocupação com o meio ambiente se reflete até mesmo em passeios melhores. Os sócios da Borealis citam um passeio com foco em observação de baleias pelos fiordes em Tromsø, na Noruega, que é feito completamente com catamarãs elétricos.
“Os barcos são elétricos pela sustentabilidade, mas também pela preocupação com a vida selvagem. Porque ele não faz barulho e não prejudica as baleias. Além disso, ele tem o piso transparente para você conseguir ver o fundo do mar. Tudo é muito pensado”, explica Pedro Coelho.
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Como planejar uma viagem para os países nórdicos (com valores)
Embora a viagem para os países nórdicos tenha um luxo bem menos exibicionista do que outros países mais visitados da Europa, isso não significa que trata-se de uma viagem barata.
Muito pelo contrário. Viver o hygge de forma autêntica tem um preço.
Paga-se caro pelo contato com a natureza exuberante, pelos passeios em fiordes, pelas caçadas à Aurora Boreal e pelas hospedagens únicas — sendo cinco-estrelas ou não.
Sobretudo, paga-se caro para visitar os países que têm os índices de bem-estar social mais elevados do mundo. O custo elevado do turismo se relaciona diretamente ao padrão de vida dos povos nórdicos, que não têm grandes discrepâncias sociais e salariais e pagam impostos elevados.
Além disso, vale lembrar que, longe das capitais e dos grandes centros, muitos desses países ainda não têm uma estrutura de turismo tão diversificada, com tantas opções para os viajantes. É o caso, por exemplo, da Groenlândia, que começou a explorar a indústria turística há pouco tempo.
Para os brasileiros, há ainda um outro fator crítico que faz a viagem demandar ainda mais planejamento financeiro: o câmbio.
Assim como em todos os outros lugares do mundo, o valor do passeio vai depender do que você busca. Roteiros privativos são bem mais caros do que aqueles feitos em grupo, por serem mais flexíveis e personalizáveis.
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Um roteiro de sete dias para Tromsø, na Noruega, com atividades invernais (como trenó com cachorros husky, snowmobile e visita a fazendas de renas) e caçada à Aurora Boreal, sai em torno de 4.000 euros (R$ 25,9 mil) por pessoa, sem contar as passagens aéreas, segundo projeções da Borealis Expedições.
Para fazer essa programação de forma privativa, o valor sobe para cerca de 10.000 euros (R$ 64,7 mil).
Roberta Perez, da Nordic Ways, reforça que, no inverno, os preços podem ser até 40% mais altos do que no verão, já que as atividades são mais caras.
Em tours privativos, os pacotes começam em 6.500 euros (R$ 38,8 mil) por pessoa, mas podem ir muito além disso, a depender do nível de exclusividade e do padrão desejado pelo viajante.
Pacotes em grupo, por outro lado, tornam a viagem mais acessível. Sergio Palamarczuk, da Slavian Tours, projeta cerca de 2.840 euros (R$ 18,3 mil) por viajante para um pacote de onze dias, em hospedagens três-estrelas, viajando em uma excursão de 45 pessoas.
Independentemente do tipo de pacote escolhido, a dica permanece a mesma: adote o estilo nórdico de se viver e não acelere o passo da viagem. Esqueça a loucura das “eurotrips” que consistem em visitar 7 países em 14 dias: para “traduzir” o hygge, é preciso tempo.
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