O ex-diretor financeiro da Americanas Fabio Abrate assinou um acordo de colaboração premiada com investigadores do rombo contábil de mais de R$ 20 bilhões na empresa em que afirma que os bancos foram decisivos para a “perpetuação da fraude”.
Parte dos depoimentos prestados pelo delator constam no relatório da Polícia Federal que embasou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra 13 ex-executivos e ex-funcionários da Americanas por supostas fraudes na companhia.
Como mostrou a coluna, com base na delação de Abrate, a Polícia Federal (PF) passou a investigar se funcionários de grandes bancos participaram do esquema que resultou no rombo de mais de R$ 20 bilhões na Americanas.
Funcionários de ao menos dois bancos, o Santander e o Itaú, estão na mira.
Na delação, Abrate detalha como era a relação com os bancos e como a direção da Americanas conseguiu que dados sobre o risco sacado fossem, segundo ele, omitidos em documentos enviados às auditorias.
O risco sacado é uma operação normal de empresas que atuam no varejo em que se faz um empréstimo com um banco para pagar o fornecedor.
A empresa, então, ganha condições melhores para gerir seu fluxo de caixa. A fraude nas Americanas consistia em lançar incorretamente essa informação no balanço.
Leia abaixo o depoimento dele para procuradores da República em que explica a participação dos bancos na fraude.
TRECHO 1
[Procurador Paulo Sérgio] Para a gente encurtar essa parte e ser mais objetivo. Então, assim, quando, se e quando, o senhor soube de fraudes em VPC?
[Fábio Abrate] Eu nunca tive acesso a nenhuma planilha de controle de VPC. Possivelmente elas existiam, porque o número era muito grande. E eu não recebo essa planilha. Eu recebo um DRE que tinha lá uma informação, assim, EBITDA, aí EBITDA caixa, EBITDA não caixa. Esse não caixa ficou evidente ali para mim que era um VPC não performado. (…)Aí o não performado pode ser o cara que não pagou, pode ser o cara da área comercial que, no desespero, colocou uma carta para dentro. Não, o cara vai dar o ok, o cara nunca deu o ok. E alguém contabilizou aquela carta. Ou pode ser uma carta que, de fato, nunca existiu. Então, ali eu tomo conhecimento…
[Procurador Stanley] Isso é quando?
[Fábio Abrate] Agosto, setembro, 22. Do tamanho do negócio. Isso, do tamanho do negócio. Mas também não entrei muito em detalhe.
[Procurador Stanley] Do tamanho do negócio, mas…
[Fábio Abrate] Na apresentação. Para formar a apresentação.
[Procurador Stanley] Ali o senhor toma conhecimento do tamanho do negócio ou ali o senhor toma conhecimento da existência de cartas fictícias?
[Fábio Abrate] Eu não entrei nesse detalhe, eu não entrei no detalhe. Mas já chamava a atenção há um bom tempo. Porque, na medida em que… Por isso que eu falei que eu ia responder as duas ao mesmo tempo. Na medida em que o risco sacado ia crescendo, era óbvio que tinha algum fator redutor do risco sacado. Mas o que era falado assim? O VPC não performado. Fornecedor quebrou, não pagou. (…)
[Fábio Abrate] Essa informação aí era guardada a sete chaves. Diferentemente do risco sacado. (…)
[Procurador Paulo Sérgio] Então, sobre o VPC, sobre a sua consciência do que aconteceu já ali depois dessas reuniões da transição, qual foi a sua impressão do que acontecia ali com o VPC? Soube que realmente tinha uma fraude, embora não soubesse qual era a fraude?
[Fábio Abrate] Um problemaço. Que, obviamente, não cheirava bem.
[Procurador Paulo Sérgio] E do ponto de vista técnico, se você tem um VPC que não existe, que está sendo declarado como ter sido arrecadado, isso impactaria no lucro da Companhia ou na receita da Companhia? Como é que isso é fechado no balanço? Porque, assim, você está declarando que recebeu um dinheiro que não recebeu. Isso deveria ter um efeito caixa.
[Fábio Abrate] Isso, então. É aí que uma coisa começa a contaminar a outra.
[Procurador Paulo Sérgio] É aí que eu venho perguntar, aproveitar e perguntar. O senhor não sabia que o risco sacado, por exemplo, que é uma das disposições financeiras, serviria também, não apenas, também, para anular esse efeito caixa do VPC?
[Fábio Abrate] Olha só, eu não sabia que o VPC era falso. Mas que uma coisa anulava a outra, era fato. Pela matemática do processo, o exemplo do 5 com 10. Espera aí, como é que o 10 cabe dentro do 5? Cadê os outros 5? Ah, verbas passadas, fornecedor quebrou.
[Procurador Lavieri] Então, você não tinha consciência do VPC, mas olhando o balanço, em determinado momento, você percebeu que tinha algo além do risco sacado?
[Fábio Abrate] Sim, eu e os bancos. Porque se o banco sabe que a Companhia tem 20 bi em risco sacado, que ele está compromissado com o fornecedor, o banco olha para o balanço da Companhia e fala, deve ter algum probleminha aqui, mas deixa passar.
TRECHO 2
[Fábio Abrate] “Boa tarde, pessoal. Na verdade, anteriormente ao risco sacado, existe uma operação denominada antecipação de fornecedores. Que, originalmente, ela era feita com o caixa próprio da Companhia. A Companhia compra do fornecedor, tem um determinado prazo a pagar, por exemplo, 90 dias. A Companhia e o fornecedor de comum acordo podem decidir por uma antecipação, em qualquer momento do tempo, entre 0 e 89, seria a véspera do pagamento em si. E essa operação é benéfica para os dois lados. Para a Companhia, porque, em geral, você tem uma remuneração maior do que aquela do seu dinheiro aplicado, num CDB, por exemplo. E fora isso, também para a Companhia, isso fomenta a relação comercial. Por vezes, os fornecedores têm um determinado limite para poder operar com a Companhia. Quando você antecipa um pagamento, você libera limite para você estar podendo comprar mais. E, por vezes, também, a taxa que a Companhia cobra de deságio é menor do que uma taxa cobrada por um Banco ou por uma factory. Então, é uma operação saudável e de comum acordo com a caixa da Companhia. Obviamente, essa é uma operação que foi tomando corpo, não só dentro da Americanas, como em outras Companhias que têm seus fornecedores. E os Bancos vislumbraram nessa relação cliente-fornecedor uma oportunidade de ampliar o seu leque de produtos. E foi aí que criou-se, denominou-se essa operação de risco sacado. Que, a depender do Banco, ela pode ter outros nomes. Ou seja, a operação é a mesma, só que os nomes são diferentes. Então, por exemplo, o Itaú chama de risco sacado. No Santander, a operação é denominada confirme. No Safra, se não me falo a memória, é fatura garantida. Mas a essência é a mesma.
(…) E aí, os Bancos, observando essa oportunidade, criaram um produto. E começaram a bater na porta dos dois. (…) Vou esquecer, não. Batia na porta da Americanas e de outros varejistas, estimulando. Não usa seu caixa próprio. Ou, com seu caixa próprio, você tem uma determinada limitação de poder de fogo. Então, quando acabar o teu poder de fogo, ou caso você não queira usar o teu caixa próprio, eu tenho uma linha aqui para você. E batiam também nos fornecedores. Estimulavam os fornecedores a bater na porta das Companhias e falar, ó, vai lá no Itaú, que o Itaú tem um programa de antecipação. Vai lá no Santander, que o Santander tem um programa de antecipação. Como é que era essa transação originalmente? No começo, ela não… Ela respeitava, esquece a palavra boa, as condições reais do que foi negociado com o fornecedor. Naquele meu exemplo anterior, eu comprei com um prazo
de 90 dias. Então, caso eu quisesse triangular essa operação de antecipação com o Banco, eu teria que respeitar os 90 dias. Então, eu poderia antecipar no dia 2, no dia 5, no dia 10, no dia 15, mas sempre informando o prazo original da nota. Nesse caso, 90 dias.
(…)
A característica da operação é uma característica comercial. Tanto é que é uma operação que não tem IOF. Consequentemente, não é classificada como uma operação financeira, e sim como uma operação comercial. Dessa forma, entende-se que a classificação, não diria correta, mas aceitável, seria manter a duplicata no contas a pagar da Companhia e tendo mudado o cedente.
(…) E o que aconteceu a partir daí? Obviamente, muito estimulado pelos Bancos, as duas partes começaram a fazer… (…) Eu acho que foi 2005, 2006, posso estar errando aqui, mas antes de 2010, com certeza. (…) Porque eu ainda estava na tesouraria quando a gente começou. Você lembra que eu saio da tesouraria em determinado momento, foi em 2010, e a operação já rodava. Antes de 2008. E, com isso, o que acabou acontecendo? Aquela flexibilidade da relação comercial entre Americanas e fornecedor foi se engessando. Por quê? Porque esse prazo de 90 dias, aqui no nosso exemplo, ele é um prazo estipulado na largada. Que subentende-se que, ao longo deste período, você vai vender toda a mercadoria que foi adquirida. Ou seja, a Americanas vende para o cliente, faz caixa e lá no 90 paga para o fornecedor. Só que nem sempre é assim. Às vezes você compra demais, às vezes você compra o produto errado, às vezes você precifica errado, às vezes você pagou mais caro do que a tua margem comporta. Então, tem uma série de variáveis que podem influenciar essa dinâmica. Então, é do jogo mesmo. Caso a mercadoria não venda, você troca uma ideia com o fornecedor. Seja pra o que for. Ah, não vendi tudo. Tem aqui 30% do estoque que não está vendendo. Opção 1, me devolve.
Aí você tem um abatimento no valor da nota daquilo que foi devolvido. Geralmente, a devolução é muito crítica. Ela é um problema em qualquer varejista. Então, o fornecedor, por hábito, prefere que não seja devolvido. Então, ele vai lá e fala o seguinte. Uma segunda opção. Em quanto tempo você acha que vai vender? Ah, em mais 30 dias. Então, tá. Então, me pagam em 120. Não me pagam em 90.
(…) Sim, a vida inteira. Isso é normal, é do jogo. Terceira opção. A que preço você acha que vende? Ah, eu acho que se a gente dá uma baixa de 10%, consegue vender nos próximos 10 dias. Então, tá bom. Então, considera aí. Faz uma conta. Me diz quanto seria esse custo, que eu te dou uma carta de venda. E podem existir outras formas dessa equação fechar ou uma combinação. Te devolvo metade, te dou mais 30 dias e vou te dar aqui uma verba XYZ para você promocionar. Então, isso acontece o tempo todo, com todos os fornecedores e todos os varejistas. Quando o Banco entra, ele engessa essa relação. Por quê?
Porque o fornecedor já recebeu. Então, o poder de barganha que as Americanas tinha, ela deixa de ter. Quando eu bato lá no fornecedor e falo, amigão, não vendeu. O cara já recebeu. Qual é a predisposição do fornecedor em te ajudar em algo que ele já recebeu? Obviamente, você imaginando uma relação de longo prazo, o cara não vai fechar a porta. O cara vai te ajudar em alguma coisa. Mas o fato é, ele já está com o dinheiro no bolso. E aí, os próprios Bancos, percebendo que isso seria um obstáculo para o desenvolvimento do produto, criamos um produto bom no primeiro momento, mas que ele esbarra numa dinâmica que não estava prevista. Ou seja, não é da calçada do Banco entender de fato como as coisas acontecem na ponta de um varejista. Então, com o passar do tempo, o que os Bancos começaram a estimular? Olha só, quem diz qual é o prazo da nota são vocês. Ou seja, a nota existe? Existe, tem lastro. Isso é importante. Se a nota é de 90, 120, 150, eu Banco de fato não sei. Então, se o 90 nesse exemplo, em 70% dos casos, ele é um problema para você, faz o seguinte, já dilata em 30 dias. (…)
Mas antes da terceira, vou falar assim para organizar, tinham três formas. A primeira forma, “buy the book”. O prazo é 90, descontou por 90, a Companhia pagou em 90 para o Banco. Essa é a operação perfeita, sem nenhum tipo de problema, original. Aí a segunda, depois eu vou para a terceira, a segunda é essa que a gente falou. Ou seja, a nota é de 90 e a nota virou um outro prazo, que no nosso exemplo foi 120.
(…)
Por que eu ainda quero focar aqui? Porque aos poucos, esse 120, ele foi aumentando. 150, 180, 210, até 360 dias. É, praticamente para o outro exercício. E aí, pensa aqui comigo. Qual fornecedor dá um prazo de 300 dias? Não existe. Onde eu estou querendo chegar? Sem a gente se precipitar. Os Bancos foram tolerando esse aumento de prazo e o máximo foi o 360. Por algum motivo, que depois a gente pode discutir o porquê. Eles só toleraram até 360. Então, a operação comercial foi descaracterizada já há muito tempo. Se bate no Banco uma nota de 120, ok. Tem fornecedores que dão 120 dias…
(…)
Você está corretíssimo. Quando a gente fala de uma operação para um ano, uma taxa de juros a 10 que seja, que não é o caso, é maior, o spread do Banco poderia chegar a 20%. Então, o 100 virava 80. E o fornecedor… “Peraí, não, meu prazo é 90”. Então, aquela dinâmica do ressarcimento, ela acontecia. E na medida que o prazo ia aumentando, o ressarcimento ia aumentando. Como consequência. Ou seja, ia pesando mais no resultado da Companhia, no balanço da Companhia e por aí vai. (…) A própria extensão de prazo foi uma deliberação do Banco, porque não existe uma nota comercial de 360 dias. (…)
[Procurador Paulo Sérgio] Contando a sua experiência no varejo, décadas trabalhando no varejo, o senhor já viu alguma nota que tivesse 360 dias de prazo para pagar?
[Fábio Abrate] Nunca vi. Eu diria que o prazo máximo que eu vi, 150. Acima disso não existe.
Então, dentro dessa segunda dinâmica, o prazo foi aumentando, gradativamente, até esbarrar no 360 dias. Legal. Quando isso aqui já não foi mais suficiente, pensa assim, essa operação feita por 90, por 120 ou por 360 dias, em algum momento ela vence. Então, a Companhia, junto aos Bancos, começou a negociar a postergação do vencimento do risco sacado. Então, fiz hoje, vence daqui a 360. Correu um ano, tinha que pagar 100 para o Banco. Falei assim, putz, ou não tenho caixa, ou não quero ter essa saída nesse momento, quero daqui a 45 dias, ou esse pagamento encaixa aqui no meu fluxo, daqui a 90, ou daqui a 100. O Banco interagia, quer dizer, a Companhia interagia com o Banco e solicitava uma postergação do vencimento de uma operação teoricamente comercial… mas já não era comercial. . Tinha o alongamento da dívida e agora já não era uma relação de largada em que o fornecedor dava ok e tinha esse aceite que você recebia o deságio e repassava para o fornecedor. (…) Já descaracterizou. Concordo. Na primeira, a Companhia me informou que existia uma nota de 360 dias, “estou lastreado”. Na segunda perna, já não mais. A operação é líquida e certa. Ela vence.
Como é que a gente vai postergar uma operação? E era, de fato, uma postergação. Não era que o Banco me dava um empréstimo e eu, com o recurso desse empréstimo, pagava a operação comercial. Não era isso. A operação comercial que vencia no 360, ela passava a vencer numa outra data no futuro. Então, isso também era feito.”
TRECHO 3
[Fábio Abrate]: “Então, o episódio que foi o marco nessa discussão de circularização e de contabilização foi o primeiro ofício da CVM, se não me falha a memória, no início de 2016, que tratava do risco sacado. E ali, quando vem esse ofício, pensa que a Companhia já estava em processo avançado de fechamento do seu resultado de 2015. E por que eu digo isso? Porque, se não me falho a memória, ao se pegar a carta de circularização do Itaú e do Santander, posso estar errando, que eram os maiores em volume, estava lá a operação. Então, a Price, na época, apresenta a carta. Tipo, ofício e carta. O que é isso? Né? E com relógio contra, porque a Companhia já estava quase divulgando o resultado, né? Imagina reabrir o corpo para mudar qualquer que fosse a contabilização, ou enfim, isso é um problemaço para todo mundo. Problema para Claudia, na figura da sócia, Cláudia Elisa. Sócia da Price. Que interagia, assim, direto com Flávia e Rodrigo. Vocês devem ter visto nos Whatsapps, assim, quem concentrava o relacionamento com a auditoria era Flávia e Rodrigo. Os controllers. Quando o assunto extrapolava, aí subia para um outro nível. E aí acho que ela questiona e o argumento nosso foi o de que eram operações que o fornecedor demandava. Ou seja, não tinha um ok da Companhia. Isso muda. A forma de contabilizar. Se tem alguém aí fora descontando o título meu, sem o meu aceite na Factoring XYZ ou no Banco Itaú, como é que eu vou saber?
[Procurador Paulo Sérgio] Essa foi a justificativa formal, que vocês davam aceite na prática, né?
[Fábio Abrate] A gente dava o aceite.
[Procurador Paulo Sérgio] Mas disseram que não dava.
[Fábio Abrate] (1:28:03 – 1:28:55) A gente disse que não dava. E aí, ao dizer que não dava, suaviza. Legal, o Banco aponta. Mas, ok, só para te informar que ele tem aqui tantos milhões descontados de título seu. Só que, obviamente, a Cláudia e a Price desconfiaram. Porque em outras empresas aquilo sinalizado na carta, indicava outra coisa. Indicava se tratar de um contrato de risco sacado. E aí, se não me falha a memória, a Price auditava o Itaú. Então, eu acho que a Cláudia falou com o sócio do Itaú.
[Procurador Paulo Sérgio] Sócio da auditoria, né?
[Fábio Abrate] Sócio da auditoria responsável pelo Banco Itaú. Porque essa questão de sócio de auditoria… E eu acho que o sócio do Itaú ventilou que não, eles têm. E a narrativa da Flávia, do Rodrigo era não, a gente não tem. “Não, a gente não tem”. Maluco. E aí, como é que resolveu a Cláudia…
[Procurador Paulo Sérgio] Isso a gente está falando de 2015, ou seja…
[Fábio Abrate] Auditoria de 2015.
[Procurador Paulo Sérgio] Não é o Grupo Auditoria 2016 ainda.
[Fábio Abrate] Auditoria 2015 no início de 2016. Assunto fresco. Aí a Cláudia falou, cara, então eu quero um call, uma reunião, não me lembro na época, com o tesoureiro. Que no caso era o Luiz Saraiva. E aconteceu esse call, essa reunião. Aconteceu. Ela ouviu do Saraiva que não. A Companhia, de fato, não tinha nenhum contrato de risco sacado assinado. E que aquilo. E que aquilo ali era o que eu acabei de explicar, os fornecedores, por vontade própria, batiam no Banco, o Banco sem o nosso aceite ia lá e descontava e por conta disso o Banco informou. E passou. Passou. Passou. E aí, ok, entramos no ano de exercício de 2016. E aí, óbvio, esse assunto ia voltar. Até porque a operação ia crescendo. Iam entrando outros Bancos. Não era um negócio só de Itaú Santander. Na época era HSBC, que depois virou Bradesco, depois BTG, depois ABC. Todos os Bancos que operavam risco sacado, em algum momento a gente chegou a operar.
E aí, assim, do nosso lado, do meu lado, eu fui começar a tentar entender com os Bancos, “cara, como é que vocês fazem outras empresas?” Ou melhor, como é que essas outras empresas fazem? No intuito de levar para dentro da Companhia a forma que… cara, o que é que era o óbvio… Não é só Americanas que usam esse produto. Esse ofício veio para todo mundo. Para Braskem, para Petrobras, para Magazine Luiza. E aí, ainda em 2016, pelo que eu me recordo, ainda não estava muito claro como é que as Companhias iam fazer, porque o primeiro grande resultado a ser publicado pós-ofício era do ano de 2016. Então, tudo era meio discutido ainda no âmbito do pode fazer, cria uma outra linha, e não, se um setor vai para a dívida, bom, dívida não, peraí. Então, tudo era no campo das hipóteses ainda. E os Bancos ajudando a pensar junto. Mas ok, é outra prioridade, foi passando, fechou-se o ano.
E aí, quando fecha-se o ano, aí eu não sei se as cartas vieram e aí começou a discussão, ou se a discussão começou antes das cartas chegarem. Não sei como é que foi o tempos e movimentos, mas o fato era Itaú e Santander eram os mais próximos, eram os mais relevantes, e eles já tinham apontado o que mostraria, ou mostraram, e a gente falou, “não tem como ser dessa forma”. E aí sim, eu fiquei com a incumbência de falar com os caras, e falar, “e aí, qual é o plano B”? E como eu não tinha, digamos assim, o mandato da contabilidade, eu fui muito firme. Eu era o negociador com os Bancos. Então, a minha conversa com os dois Bancos foi muito simples, ou tira, ou a gente para de fazer operação. Por quê? Não fazia sentido. O risco sacado, era uma operação curta e muito cara. Então, se você é Itaú, você é Santander, você vai me sinalizar e eu vou ter que contabilizar como dívida, essa era a pior hipótese.
[Procurador Paulo Sérgio]Pior hipótese por quê? Só para te retomar o que você falou lá atrás.
[Fábio Abrate] Impactaria a dívida líquida, consequentemente, o covenant, dívida líquida, EBITDA, a Companhia apareceria para o mercado mais endividada. (…) Quando ela foi descaracterizada, a resposta é sim. Aí, se você me aponta na carta e eu tenho que levar isso para a dívida… Para de fazer isso, vou fazer o mais barato. Vou fazer uma dívida mais barata, mais longa. Ou seja, não fazia sentido para a Companhia. (…)
[Procurador Paulo Sérgio] Então, o fim dela realmente, como o procurador Fernando falou, era poder não contabilizar como dívida. Fazer uma operação de financiamento que não entre em financiamento.
[Fábio Abrate] Exatamente. Naquele exemplo que a gente deu aqui anteriormente, que a taxa de juros era 10, o custo era 20, para um ano. 20% ao ano para um ano. Eu tomava 15% para 5 anos. Então, a minha função foi muito simples. Eu negociava com os Bancos. Então, eu falei, se for isso, acabou a operação. E com muita propriedade. Cara, eu negociava num altíssimo custo de dívida.
Então, aquilo ali para mim era uma ofensa. Então, se vai ser colocada na carta e, consequentemente, eu vou ter que contabilizar como dívida, eu não quero mais fazer.
[Procurador Panoeiro] Na verdade, a operação só valia a pena se fosse oculta.
[Fábio Abrate] Se permanecesse no fornecedor. (…)
[Procurador Paulo Sérgio] E nesse caso, quando você está negociando as cartas com os Bancos, você está negociando tanto o LASA quanto o B2W, os dois.
[Fábio Abrate] É. Por que eu fui designado? Porque eu era o ponto de contato com os Bancos. Então o cliente dos Bancos, antes das Companhias, era o Fábio. Vai fazer, não vai fazer, vai ser cinco anos, vai ser dez, a 115.1 eu tomo, a 115.2 eu não tomo. Ou, cara, nem me fala disso. Então, assim, quem é a pessoa que tem poder de barganha com os Bancos? É o cliente. O cliente era o Fábio. Então, Fábio, missão. E aí, eu agi da forma que eu sempre agi com os Bancos. Duro na negociação. E o futuro ali era… Ou não apresenta, ou a gente vai trocar. A gente vai parar de fazer. (…)
[Fábio Abrate] E mesmo que fosse, a tua afirmação está certa. Eu ia migrar para uma linha mais longa, mais barata, mais arriscada para o Banco. Porque a operação do risco sacado ela é quase um cheque especial que os Bancos adoram. Por quê? Você está sempre no negativo, mas está sempre pagando. É uma operação revolving, ela é recorrente. Ele tem um dinheiro pingado todo mês. (…)
[Procurador Paulo Sérgio] Essa negociação específica, que o senhor está falando, você se sentou com os Bancos e falou, “não vou fazer mais se for constar na carta de circularização”. Isso foi com quais Bancos especificamente?
[Fábio Abrate] Itaú e Santander. Por quê? Eram os maiores e alguns Bancos, eles são líderes do setor. E os Bancos se falam sobre tudo. Se tem um setor que é organizado, se chama Banco. Varejo é desorganizado. Varejo se mata. Banco não, Banco combina. (…)
[Fábio Abrate] Vamos voltar para Itaú e Santander. Se esses caras aqui são grandes, muito inteligentes, são um caminho, primeiro, eu vou ligar para o Bradesco e falar assim, cara, Santander e Itaú tiraram da carta. Aí já é uma outra conversa. “Você vai colocar?” “Então tá bom, vou parar de fazer com você e vou aumentar a minha participação com Itaú e Santander.” No caso de Itaú e Santander, eles estavam se falando. Eu ligava para um, ligava para o outro e um falava que ia ligar para o outro, falando “deixa eu discutir aqui com…” (…)
[Fábio Abrate] Ele, como credor do risco sacado, ele viu o meu balanço e ele sabia o porquê que eu não queria que aquilo fosse demonstrado na carta. E como a gente já falou, eles também sabiam fosse conversando ou fosse via sistema de risco do Banco Central qual era a exposição completa da Companhia. O ponto é que legal, a gente concentrou, eu concentrei na minha discussão com Itaú e Santander e óbvio, isso não era uma decisão das pessoas que eu falava e todos tinham que endereçar o problema. (…)
[Fábio Abrate] Eles tiveram muitas idas e vindas. No Itaú, por exemplo, tinha um agravante. Que a carta, antes da tabela, ela tinha um texto. E aí o texto era péssimo. Então a gente não só tinha que tirar a tabela, como tinha que convencer o Itaú de mudar a boneca da carta. Imagina uma carta padrão no extrato de cartão de crédito. “Para mim, só para mim, faz um negócio diferente?” Foi uma discussão que, dentro do Banco, envolveu jurídico, compliance, presidência, comitê executivo. Era muito arriscado. Então, eu não me lembro exatamente das idas e vindas, porque foram muitas. “Ah Consegui isso aqui”. “Isso aqui não me serve. Volta”. Tinha muitas idas e vindas.
[Procurador Paulo Sérgio] E no final, qual foi o resultado dessa negociação? O que aconteceu?
[Fábio Abrate] Foi de que os Bancos não apresentaram na carta a informação.
[Procurador Paulo Sérgio] Nem de maneira suavizada?
[Fábio Abrate] Zero. Nenhum número. Tinha lá, digamos, na tabela. Sessão de crédito: vazio.
[Procurador Paulo Sérgio] Ou seja, não declararam as operações? [Fábio Abrate] (1:51:19 – 1:51:20) Isso.
[Procurador Paulo Sérgio] Nem de uma maneira mascarada? Foi zero?
[Fábio Abrate] Zero.
[Fábio Abrate] E, assim, estão falando de uma carta original do Banco. Então, coação… fraude… Esquece.Foi por livre e espontânea vontade, decisão do Banco de retirar.
[Procurador Paulo Sérgio] E o motivo foi não perder um negócio que era lucrativo para eles. Foi essa realmente a troca?
[Fábio Abrate] Essa foi econômica. Foi econômica. (…)
[Procurador Paulo Sérgio] Então, em relação aos Bancos, ficou bem claro essa dinâmica para a gente. O senhor negociou com eles, deixou claro que eles perderiam dinheiro com isso, a Companhia teria menos despesa de verdade, mas teria um risco de mercado maior por causa da relação dívida / EBITDA. . E aí, em relação a isso, ficou bem claro também que o intuito de não contar na carta é porque vocês não queriam divulgar isso como dívida financeira. Eles sabiam que o mercado não estava sendo informado dessa dívida. Então, foi decisiva essa participação para que a fraude continuasse sendo escondida do mercado?
[Fábio Abrate] Com toda certeza. Se o Banco interrompe naquele momento, a gente não tinha chegado onde a gente chegou.
[Procurador Paulo Sérgio] Não teria chegado, por exemplo, a esse número de 20 bilhões de reais que a gente chegou depois.
[Fábio Abrate] Foi decisivo. O Banco não apontar na carta de circularização foi decisivo para a perpetuação da fraude.
[Procurador Paulo Sérgio] Aí, uma pergunta agora mais simples. Isso foi uma negociação intensa no ano de 2017 sobre a auditoria de 2016. As operações continuaram sendo feitas após o acordo. Esse padrão de 2017 sobre a auditoria de 2016, foi mantido nos anos seguintes ou precisou rediscutir?
[Fábio Abrate] Do que eu me lembro, a discussão acalorada foi nesse momento.
[Procurador Paulo Sérgio] Mas eles passaram a informar futuramente ou mantiveram não informando?
[Fábio Abrate] Mantiveram o padrão de não informar.
[Procurador Paulo Sérgio] Ou seja, aquele combinado valeu para os anos subsequentes.
[Fábio Abrate] Valeu, nunca mais falou nesse assunto. Em carta de circularização.”
TRECHO 4
“[Procurador Paulo Sérgio] Eu tenho uma dúvida técnica, que é a questão dos juros. Uma dúvida técnica em relação aos juros. Porque se é uma dívida financeira, devidamente declarada, o mercado sabe que vai ter juros que vão impactar a saúde financeira da Companhia. Ou seja, se eu tenho uma dívida de 20 bilhões, eu vou arcar com muitos juros. Se eu tenho uma dívida de 1 bilhão, eu vou arcar com menos juros. Isso compromete, inclusive, a solvência da Companhia no longo prazo. Como a disparada da Selic, como o senhor disse. Quando ela tá contabilizada em fornecedor, o que acontece com os juros que eram pagos para os bancos?
[Fábio Abrate] Então, o nosso resultado financeiro, desde sempre, ele foi um bicho difícil de explicar para todo mundo. Então, eu não participava do resultado, não entendia essa dinâmica. O que eu descobri depois? Que até determinado momento, esses juros eram contabilizados no resultado. Então, ele fluía no DRE da Companhia. Mas na medida em que o negócio ficou muito grande, não tinha espaço para contabilizar os juros no resultado.
[Procurador Paulo Sérgio] Mas como que era contabilizado quando dava? Porque se não tem dívida financeira, esses juros estavam sendo pagos de alguma outra forma.
[Fábio Abrate] Por isso que o resultado financeiro era inexplicável. Todo mundo olhava para o resultado financeiro e falava assim, caramba, tua dívida é tanto. A dívida, vamos lá, vamos na literatura. Ativo é o dinheiro que está aplicado, simples, mais complexo do que isso, que é o mais da soma. E o negativo é a tua dívida bruta. Então, você tem um cara que rende, gera receita financeira, e você tem um outro componente que é negativo, que gera despesa financeira. Se o teu caixa é sabido, a tua dívida é sabida, mais ou menos você sabe quanto é, rende quanto CDB? 100? Rende quanto uma dívida da Lojas Americanas? 120 CDI? Você calcula. Só que aí entram alguns componentes, que é o IFRS, que já é uma mecânica totalmente contábil. E eu não saberia explicar aqui. Então, quando essas coisas começam a se somar, começava a abrir brecha para você colocar uma outra coisa lá dentro e falar, não, isso aí era um efeito de IFRS.
[Procurador Paulo Sérgio] Ou seja, você camuflava o pagamento de juros como outra coisa na linha do balanço. Você que eu digo é Companhia, não vocês.
[Fábio Abrate] Ninguém entendia, se você pegar pessoas de mercado, os caras não entendem o resultado financeiro da Companhia. Então, uma parte ou a totalidade era lançada a resultado. Só que em algum momento o negócio ficou tão grande, que aí já era Nunes na Americanas, ele por decisão própria, eu acredito, ele começou a não lançar os juros no resultado da Companhia. E onde é que ele lançava? Ele lançava também na conta de fornecedor. Entendeu? E isso aí ia piorando a coisa. Então, para explicar…”
TRECHO 5
[Procurador Paulo Sérgio] Então só pra gente entender, a gente está aqui em 31 de agosto de 2022, aquela reunião, aquela apresentação, os arquivos circulando com o histórico, de agosto de 2022. O senhor já sabia diante disso que tinha um risco sacado que não era contabilizado como dívida financeira?
[Fábio Abrate] Sim, sabia.
[Procurador Paulo Sérgio] Isso o senhor sabia. E sabia que ia divulgar no mercado como dívida de fornecedor?
[Fábio Abrate] Isso, sabia.
[Procurador Paulo Sérgio] Então o senhor sabia que o balanço não refletia a realidade da empresa, os que eram divulgados?
[Fábio Abrate] Eu sabia, mas qual era, digamos assim, a minha percepção? Eu não sei sozinho. Ou seja, todos sabem. Então…
[Procurador Paulo Sérgio] Todos são quem?
[Fábio Abrate] Todos.
[Procurador Paulo Sérgio] Pode denominar?
[Fábio Abrate] Posso. Todo mundo dentro da Companhia. Todo mundo.
[Procurador Paulo Sérgio] Até empregados de escalões menores?
[Fábio Abrate] Sim. A operação era muito grande. A operação chegou… Ela começa pequena e ela chega num nível que a área financeira inteira sabia do risco sacado, a área comercial inteira sabia do risco sacado.”
DEFESAS
Por meio de nota, o Santander afirmou que não possui “ingerência, supervisão ou responsabilidade sobre as demonstrações financeiras da Americanas”.
“A própria companhia informou, em fato relevante de 13/6/2023, que as demonstrações foram fraudadas pela diretoria anterior. O banco sempre informou os saldos das operações da empresa nas cartas de circularização e ao Sistema Central de Risco do Banco Central, que é uma entre as possíveis fontes de auditagem”, diz a nota.
“Sendo assim, o Santander repudia qualquer insinuação contrária à lisura e correção em sua relação com a empresa, reiterando ter sido também vítima das fraudes.”
O Itaú Unibanco negou, por meio de nota, “qualquer participação, direta ou indireta, na fraude contábil que a Americanas sofreu”.
“O banco sempre prestou às auditorias e aos reguladores informações corretas e completas sobre as operações contratadas pela empresa, conforme legislação vigente e melhores práticas de mercado”, diz o banco.
De acordo com o Itaú, os informes enviados às auditorias “sempre alertavam para a existência das operações de risco sacado e da exposição de crédito da companhia aos fornecedores”.
“Os diretores da Americanas envolvidos na operação interagiram com representantes do Itaú no sentido de retirar os alertas, como admitiu o ex-diretor Fabio Abrate em seu depoimento. O banco nunca concordou com esse pedido e, diferentemente do que informou Abrate, manteve o texto que sinalizava a exposição da companhia ao risco sacado”, afirma.
Segundo a instituição, as operações de risco sacado foram interrompidas por seis meses por causa dos problemas na Americanas.
“O Itaú reforça que a elaboração das demonstrações financeiras é de responsabilidade única e exclusiva da administração da empresa e repudia qualquer tentativa de responsabilização de terceiros por falhas ou fraudes nessas demonstrações”, conclui a nota.