Ele está nas caixas de som, nas prateleiras, nas lojas de discos. Nos palcos, lotando estádios, e agora nos cinemas, nos pontos de ônibus e até mesmo no museu, onde um imenso pôster de seu rosto na fachada não deixa dúvidas: 2025 é o ano de Ney Matogrosso.
A estreia da mostra Ney Matogrosso nesta sexta-feira (21), no Museu da Imagem e do Som (MIS-SP), marca um momento de homenagens ao artista, dono de um repertório de mais de 950 gravações e do timbre único de contralto que fez e faz história na música brasileira.
Em maio é a vez dos cinemas, que recebem o aguardado filme Homem Com H, dirigido por Esmir Filho e com Jesuíta Barbosa no papel de Ney Matogrosso. Com estreia prevista para o dia 1º, a obra explora o lado emocional da vida por trás da obra do artista transgressor.
Nos dois casos, muito do que é retratado tem por base o trabalho minucioso de Julio Maria, autor de Ney Matogrosso: A biografia (Companhia das Letras, 2021). O escritor passou cinco anos na trilha do artista, apurando detalhes de sua história, desde o rompimento com a rigidez do pai na infância, até as tantas outras revoluções e conquistas de sua história.
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Seu Dinheiro conversou com Julio, com Esmir e com André Sturm, diretor-geral do MIS e curador da exposição Ney Matogrosso para saber mais das homenagens e de por que segue tão importante falar do artista, aqui e agora, ontem, hoje e amanhã.
“Fragmentos de Ney por todo lado”
“Eu acho que a gente tem uma necessidade de acessar Ney, não por aquilo que ele traz nele, mas por aquilo que ele desperta em nós.” Para além da necessidade de uma data ou marco específico para celebrar Ney Matogrosso, o biógrafo Julio Maria acredita que o que torna o artista tão constantemente revisitado e tema de tributos é um “despertar para nós mesmos” – o senso de liberdade que a figura de Ney Matogrosso emana.
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Assim, ao cruzar os portões da exposição no MIS, em São Paulo, é provável que muitos dos fãs esqueçam que estão em uma mostra que celebra os 50 anos de carreira do artista – o próprio marco, em si, é disputável: são cinco décadas, de fato, mas de uma carreira solo, pós-Secos & Molhados.
Na prática, a efeméride acaba sendo mais uma coincidência do que o tema da mostra. André Sturm, o curador, conta que o pontapé inicial da homenagem veio quando o museu descobriu que Ney Matogrosso havia doado seu acervo pessoal para a faculdade de moda do SENAC.
“E o acervo era espetacular”, relembra Sturm. “Para nossa sorte, o Ney cuidou do que ele produziu, então eram muitos figurinos, muitos objetos, cartazes, releases, capas de disco, enfim, um material maravilhoso, que nos deixou animados, motivados para fazer essa exposição.”
O marco dos 50 anos de carreira solo acabou vindo na sequência – o famoso plus a mais, que, acima de justificar uma homenagem, acabou sendo útil no processo de montagem da exposição.
De modo que a mostra chega dividida em seis salas, marcando cada década de trabalho do artista: dos anos 1970, de discos como Água do Céu – Pássaro (1975), Bandido (1976) ou Pecado (1977), passando pelos anos 1980, do clássico Ney Matogrosso (1981) ou de Destino de Aventureiro (1984); os anos 1990 de Um Brasileiro (1996) e Olhos de Farol (1999); até o novo milênio, de álbuns como Vagabundo (2004), Beijo Bandido (2009) e o recente Nu Com a Minha Música (2021).
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Se nos ouvidos, as músicas chegam primeiro, aos olhos salta a exuberância da coleção de indumentária, hoje preservada e catalogada pelo SENAC, e as fotos do acervo de Madalena Schwartz, Thereza Eugênia, Ary Brandi e Daryan Dornelles.
Já o projeto expográfico fica por conta de Juan Cabello Arribas e Viviane Sá, e os textos da exposição levam assinatura do próprio biógrafo, Julio Maria, que descreve a experiência da visita como “fragmentos de Ney por todo lado, a todo tempo”.
Talvez o mais célebre dos envolvidos na produção seja ninguém menos que o próprio Ney Matogrosso em pessoa – um homenageado que, bom diretor artístico que é, não negou seus próprios pitacos na exposição que revisita sua obra.
“Quando esse conceito e essa curadoria já estavam avançados, a gente apresentou para o Ney e foi muito bacana, ele ficou muito contente, tanto com a homenagem, quanto como com a maneira com que a gente tava contando a história”, conta André Sturm, o curador. “E aí ele fez algumas sugestões, que eu chamaria de artísticas”, trocando um clipe ou substituindo alguma música de uma das salas.
E, por falar em salas, há ainda um último espaço a conferir na mostra do MIS – um que não fala de passado, mas de futuro, ou de uma estreia futura: quem passar pela exposição terá a chance de conferir em primeira mão um espaço totalmente dedicado à produção do filme Homem com H, com o trailer, mas também figurinos, fotos, objetos usados na produção e até o roteiro comentado do diretor Esmir Filho.
H de Humano
“Ney Matogrosso é o grito preso na garganta de quem quer se expressar”, diz Esmir Filho, diretor do filme Homem com H. “Ele representa o desejo querendo pulsar no corpo das pessoas, uma ode à libertação. Com sua performance, Ney subverte e torce o sentido das canções, ampliando o significado da música. Não é à toa que até hoje sua voz e corpo são enaltecidos e tidos como exemplo.”
A descrição hiperbólica talvez sirva para antecipar o que devemos esperar de Homem com H. A aguardada cinebiografia de Ney Matogrosso produzida pela Paris Filmes nem estreou e já vem emocionando audiências nos trailers e teasers disponíveis online.
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Concebido em 2021, o roteiro passou por idas e vindas, com diversas pausas até uma versão final. A versão escolhida foi a que chegou a um recorte emocional da vida do cantor, abordando sua relação com o pai e seus amores, desde a infância até os dias de hoje.
“Trata-se de uma jornada de liberdade e afeto, onde o protagonista enfrenta diversas forças do antagonismo representadas pelas figuras de controle e autoridade que ousaram tentar reprimi-lo. E isso foi o que mais me motivou a contar essa história hoje, ao perceber que as reflexões diante da trajetória de Ney provocavam um rasgo temporal”, diz Esmir.
Assim como na mostra, um destaque aqui foi a participação do próprio artista, que participou ativamente do processo de construção da obra, seja participando da pesquisa, em trocas durante o roteiro e até em encontros com o protagonista Jesuíta Barbosa. Relatos de bastidores dão conta de que a única exigência de Ney teria sido que a obra fosse fiel à sua vida – algo que exigiu de Esmir o cuidado na licença poética da adaptação:
“Acredito que o ponto de partida foi a relação que eu nutri com Ney. Sabíamos que a memória também traz lacunas e eu teria que usar recursos narrativos para poder preenchê-las. Ney concedeu liberdade poética para que eu pudesse transcrever sua vida em filme. E isso fez total diferença”, conta o diretor.
Segundo Esmir, parte do que o fascinou na história do artista foram os obstáculos que ele atravessou, seja com um pai repressor, com uma sociedade moralista, seja no aperfeiçoamento de suas próprias habilidades artísticas, no artesanato, na pintura, no teatro ou no canto. Tudo isso antes de subir ao palco e se mostrar o artista afrontoso que explodiu à frente do Secos & Molhados, em 1974. “E a gente mostra esse período no filme.”
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“Eu acho que o legado do Ney é que esse homem existiu e mostrou pra mim, pra todos nós, a importância de ser o que somos, mesmo que todos nos chamem de louco – que mais louco é quem nos diz”, reflete o biógrafo Julio Maria. “Qualquer ser humano, que ler ou assistir à história, ou for à exposição ou ouvir o Ney cantando vai entender que o legado dele é como a gente pode ser mais feliz sendo nós mesmos.”
Finalizado recentemente, Homem com H teve seu corte final exibido pela primeira vez há poucas semanas, ainda no mês de fevereiro, em uma sessão para poucos convidados, entre elenco, produção e o próprio Ney, que ali apareceu emocionado.
Para o restante de nós, a espera dura até o dia 1º de maio, exatos três meses antes do aniversário de 84 anos do cantor. Tempo o bastante para revisitar, entre mostra, música e livro, o legado do homem do ano – com H de humano.
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