A busca por desconexão, isolamento, contato com a natureza e silêncio não é uma tendência nova na história da Humanidade. Nossos antepassados do século 18 já falavam sobre o fugere urbem (“fuga da cidade”, em latim); nos anos 1850, Henry David Thoreau escreveu o ousado Walden ou A Vida nos Bosques.
Deixando de lado a utopia de que todos poderíamos sair dos centros urbanos e voltar a um estágio bucólico, uma coisa é fato: cada vez mais pessoas estão querendo viajar para perto da natureza.
Quase como um sinal dos tempos, quanto mais corrida fica a vida cotidiana, mais os turistas querem escapar desse frenesi nas férias e nos momentos de descanso.
Mas nem todos estão dispostos a encarar todos os “perrengues” que esse fugere urbem demanda.
Acordar ao som dos pássaros é tranquilizador — até você se lembrar que pode ter um bicho no banheiro que entrou no meio da noite. Dormir vendo as estrelas é lindo — até o momento em que os mosquitos invadem o quarto e a temperatura te impede de ter uma boa noite de sono. Banhar-se em um rio da Amazônia é uma oportunidade única na vida — se você não tiver que pensar muito sobre os perigos submarinos.
É nesse contexto que o glamping tem se fortalecido cada vez mais no Brasil, unindo a experiência do camping com o glamour e os serviços das hospedagens de alto padrão.
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Na visão de Guto Costa Filho, fundador do Anavilhanas Jungle Lodge, o mochileiro e o glamper têm mais semelhanças do que parece.
“Ambos buscam um contato muito próximo com a natureza, acesso a locais de beleza ímpar e ainda intocada, na medida do possível, e contato com a cultura local. A diferença é que o turista de luxo não está disposto a dormir e comer mal para vivenciar isso”, explica.
Um país de natureza exuberante como o Brasil é um terreno fértil para este ramo da hotelaria. Por causa da extensão continental do território, é possível encontrar praticamente qualquer tipo de bioma e experiência. Desde os cânions e as araucárias do Sul até a vegetação densa e úmida do Norte, passando pela Mata Atlântica e pelo Pantanal.
O Seu Dinheiro foi atrás de alguns dos hotéis que protagonizam o cenário de glamping nacional para entender como essa tendência se adequa ao “jeitinho brasileiro”.

Afinal, o que é um glamping?
As inspirações para trazer o glamping para o Brasil vieram de lugares diferentes do mundo, desde os lodges africanos, a maior referência mundial nesse quesito, aos acampamentos em parques nacionais dos Estados Unidos, os hotéis de selva do Peru e os eco campings da Patagônia.
O termo, em si, surgiu pela junção das palavras camping + glamour. Acontece que as definições são um tanto quanto amplas.
Segundo os próprios donos dos hotéis, os elementos que caracterizam esse tipo de hospedagem são os seguintes:
- Unidades habitacionais integradas à natureza — sejam barracas, chalés, bangalôs, suítes ou até mesmo casulos;
- Serviços de hotelaria, incluindo principalmente experiências ao ar livre nos entornos das propriedades.
Ou seja, na prática, não estamos falando necessariamente de uma hospedagem em barracas ou tendas.
Por exemplo, na Amazônia, por causa da umidade e da vegetação intensa, as barracas em si não funcionam bem.
“A gente abriu algumas clareiras para construções dos nossos chalés e bangalôs, que são feitos usando a técnica local de palafita, madeira e com cobertura de palha. É um hotel que leva os hóspedes para vivenciar esse contato íntimo com a natureza, com um padrão de serviço super alto”, explica Guto, do Anavilhanas.
A mesma coisa com o Juma Lodge, que acomoda 20 bangalôs em uma área extremamente remota, a três horas de barco de Manaus. “Temos hospedagens com mais sofisticação e infraestrutura robusta em que você tem acesso à natureza, em um dos maiores biomas do mundo”, explica Gisele Serrano, gerente comercial do hotel.

Não que você não encontre barracas e tendas aqui no Brasil.
O Parador Casa da Montanha, fundado em 2003 e considerado o primeiro glamping do país, criou uma tecnologia de isolamento térmico para permitir esse tipo de hospedagem em meio a uma das regiões mais frias do território nacional: os cânions de Cambará do Sul, no Rio Grande do Sul.
Seja como for o quarto que você irá dormir, os princípios seguem os mesmos: conforto acima de tudo e amenidades dignas do que se espera de um hotel regular.
Natureza sem perrengue
Rafael Peccin, diretor de marketing do Casa Hotéis e um dos idealizadores do Parador, reforça que a ideia é promover uma imersão na natureza — não só através dos bangalôs e chalés, mas também através das atividades que são promovidas no hotel.
Não à toa, no glamping gaúcho, a decisão foi de não construir uma academia. Quem quiser se exercitar, está convidado para andar pela região e praticar atividade física ao ar livre.
Permitir que os hóspedes aproveitem os arredores é um dos aspectos fundamentais para um glamping, na visão de Júnior Petar, do Glamping Mangarito. “É diferente de um resort, por exemplo, em que tudo está focado nele e não há atividades externas”, diz.
Nesse sentido, o hotel torna-se mais um facilitador das experiências, levando o conforto e o serviço de ponta para os viajantes que querem aproveitar a natureza.
No Parador, uma das atividades mais buscadas é a chamada “Imersão das Galáxias”, uma contemplação do céu estrelado da região, que é uma das melhores da América do Sul para o turismo astronômico.
- Vale lembrar que esse tipo de passeio só é possível em lugares afastados dos grandes centros urbanos, por conta da poluição luminosa e atmosférica. Ou seja, apenas uma hospedagem na natureza poderia proporcionar essa vivência.

Já no Juma, o que faz bastante sucesso é a piscina de rio, que permite que os hóspedes se banhem nas águas amazônicas, sem preocupações com os bichos, já que existem grades submersas.
No Anavilhanas, os viajantes fecham a hospedagem já com os passeios pela floresta amazônica inclusos.
“As pessoas estão lá pela Amazônia. Elas vão para o Anavilhanas para ter esse contato com a beleza dos rios, da mata, do conhecimento tradicional [das comunidades indígenas]. Não faz muito sentido a gente abrir apenas para hospedagem, se mais de 95% da nossa demanda é a hospedagem aliada aos passeios”, explica o proprietário.
Glamping, uma hospedagem ESG ‘por natureza’
A integração com a natureza se manifesta nos glampings brasileiros também no processo de instalação da estrutura hoteleira.
Isso porque a ideia é causar o menor impacto ambiental possível, fazendo com que o glamping seja uma hospedagem “ESG por natureza”.
- ESG é a sigla em inglês para boas práticas nos meios sociais, ambientais e de governança.
Por estarem muitas vezes localizados em parques e áreas naturais de difícil acesso, a logística de obra pode ser bem complicada. Esta é, inclusive, uma das barreiras de entrada para este tipo de empreendimento.
Guto Costa Filho, do Anavilhanas, relata que, além de conseguir a licença ambiental antes da construção, teve que lidar com um grande desafio para construir um hotel tão imerso na selva amazônica, longe de Manaus.

“O que diferencia bastante o glamping é a facilidade de montar e desmontar sua estrutura, que causa pouco impacto ambiental no espaço. Inclusive, a proposta do governo é que, nos parques nacionais, as estruturas de hospedagem sejam neste formato”, explica Junior Petar, cujo hotel está no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira, em Iporanga (SP).
Em 2024, os 61 parques nacionais brasileiros registraram 12,5 milhões de visitantes. O mais visitado foi o Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, seguido pelo Parque Nacional Iguaçu (onde estão as Cataratas) e pelo Parque Nacional de Jericoacoara. |
Se, por um lado, a construção na natureza tem os seus obstáculos, por outro, também tem as vantagens. No Juma, o abastecimento elétrico é feito através de 268 painéis solares, aproveitando a alta incidência solar na região amazônica.
O glamping no Brasil no pós-pandemia
Apesar da busca por isolamento e por contato com a natureza não ser exatamente uma tendência recente, é fato que o ecoturismo foi bastante impulsionado pela pandemia.
Este pensamento de “eu quero viajar, mas não quero multidão” tem se fortalecido cada vez mais e muitos brasileiros passaram a valorizar mais as paisagens naturais locais.
“Esse movimento de barreira sanitária para sair do Brasil fez o brasileiro, de uma certa forma, reconhecer o país e voltar os seus interesses para cá”, avalia Guto.
Nesse contexto, a hotelaria nacional se reinventou e passou por momentos áureos, com picos de ocupação anual. Muitas propriedades se expandiram, revitalizaram e criaram novos tipos de unidades habitacionais e acrescentaram mais atividades para os hóspedes na programação.
E, porque o glamping torna-se cada vez mais almejado pelos brasileiros, muitos proprietários de imóveis de aluguel de temporada têm surfado essa onda também. Em plataformas como Airbnb, é possível encontrar cabanas, chalés e até casulos e domas para se hospedar em diferentes regiões do Brasil.
Apesar do estilo de hospedagem ser semelhante em questões estéticas e existir o contato com a natureza, falta um dos elementos essenciais para um glamping: os serviços de hotel, que asseguram todo o conforto para quem quer passar tempo ao ar livre — mas sem “perrengue”.
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