São Paulo — Um assessor lotado no gabinete da presidência da Câmara Municipal de São Paulo é dono de um escritório de arquitetura que atua na obtenção de alvarás e de outros serviços de regularização para megaempreendimentos na capital paulista, como o Estádio do Pacaembu, na região central da cidade, e Complexo do Anhembi, onde fica o sambódromo, na zona norte.
Marcos Gusmão Matheus (imagem em destaque) tem como função atuar no colégio de líderes da Câmara, órgão formado pelos representantes dos partidos e que atua na definição de projetos de lei que serão votados. Ao mesmo tempo, ele é o único dono da MGM Arquitetura e Administração de Bens, empresa que atua em alguns dos principais megaempreendimentos da cidade.
O Metrópoles procurou Matheus na Câmara nessa terça-feira (11/3), dia em que é realizado o colégio de líderes. O funcionário não foi encontrado nem mesmo reconhecido por pessoas que trabalham na Casa e foram abordadas pela reportagem.
Nos bastidores da política paulistana, Matheus é visto como mais do que um mero assessor. Fontes o descreveram à reportagem como um interlocutor do mercado imobiliário com o Executivo e o Legislativo, tanto para a obtenção de alvarás quanto para projetos urbanísticos, como a recente revisão da Lei de Zoneamento, que define as regras de construção e de uso dos imóveis na cidade.
O arquiteto foi nomeado na presidência da Câmara em 2021, na gestão do ex-presidente Milton Leite (União), e seu salário atual é de R$ 14.338,35.
Alvarás
O trabalho no Legislativo não impediu Matheus de seguir ocupado com os negócios da sua empresa, a julgar pela quantidade de aparições do nome dele como interessado em processos relacionados a obras no Diário Oficial do município.
Um balanço publicado pela empresa dele nas redes sociais relata que o escritório teve 385 processos deferidos em 2023. No ano anterior, o escritório comemorou a emissão de 66 alvarás de aprovação e execução.
Em 2023, segundo site da prefeitura, ele chegou a participar de agenda com o então secretário de Urbanismo e Licenciamento, Marcos Gadelho, para apresentar o projeto do Anhembi, ao lado do diretor da concessionária GL Events, na tarde de uma segunda-feira. A MGM cita, em seu perfil do Instagram, que a GL Events é sua cliente em um processo de alvará de aprovação e execução de reforma. No ano passado, o Anhembi foi reinaugurado após 15 meses de obras.
O escritório também presta serviços para a Allegra Pacaembu, concessionária que administra o estádio, envolto em uma sucessão de problemas devido à falta de alvará do local. Após uma reforma de R$ 800 milhões, o estádio conseguiu em janeiro um alvará provisório por parte da prefeitura para receber partidas de futebol.
De acordo com a prefeitura, a MGM tem contrato de consultoria com a Allegra, responsável por “estruturar e revisar documentação técnica para processos que necessitem de aprovação junto aos órgãos públicos”.
Outros serviços para grandes empreendimentos citados pela MGM em suas redes são o projeto legal da Usina São Paulo (antiga Usina Traipu) e a obtenção de termo de consentimento para atividade edilícia pública do Circuito de Compras da Feira da Madrugada. Assim como o Pacaembu e o Anhembi, ambos os casos também são grandes concessões públicas.
Offshore e investigação
Além do escritório de arquitetura, o assessor da Câmara paulistana tem registrado em seu nome e de sua irmã uma offshore em Miami, nos Estados Unidos, chamada MGM ARCHI INC, de acordo com um relatório anual datado de abril de 2024.
Na base de dados do vazamento do Panamá Papers, uma empresa com o mesmo nome aparece sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, em nome do pai do engenheiro – o registro é de 2013, mas o Diário Oficial daquele país indica que ela foi retirada de registro em 2021.
O arquiteto afirma que a empresa foi criada pelo pai, já falecido, para comprar um imóvel nos Estados Unidos e não para servir como filial de sua empresa brasileira. Segundo Matheus, hoje ela não desenvolve nenhuma atividade.

Em 2011, o arquiteto que hoje está lotado na Câmara Municipal chegou a ser alvo de uma investigação em que diversos empresários eram suspeitos de fraudes contra a Prefeitura de São Paulo, segundo notícias da época.
O caso era referente ao pagamento de valores para se construir acima do limite permitido pela cidade – as empresas eram suspeitas de fornecer guias de recolhimento com autenticação falsa, mas os alvarás eram entregues, segundo a apuração. De acordo com o arquiteto, “os processos mencionados já foram concluídos na esfera judicial, sem nenhum tipo de condenação”.
À reportagem, a assessoria da Câmara Municipal de São Paulo informou que “assessores podem ter atuação privada ou em pessoa jurídica perante o Executivo, sendo as únicas vedações as previstas no Estatuto dos Servidores (Lei 8989/79)”.
A referida lei proíbe que servidores participem da “gerência ou administração de empresas bancárias ou industriais ou de sociedades comerciais, que mantenham relações comerciais ou administrativas com o Município, sejam por este subvencionadas, ou estejam diretamente relacionadas com a finalidade da unidade ou serviço em que esteja lotado”.
O estatuto também não permite que um servidor exerça, “mesmo fora das horas de trabalho, emprego ou função em empresas, estabelecimentos ou instituições que tenham relações com o Município, em matéria que se relacione com a finalidade da unidade ou serviço em que esteja lotado”.
O que diz o arquiteto
Ao Metrópoles, Marcos Gusmão Matheus afirmou que seu trabalho na Câmara Municipal envolve o !assessoramento em temas e projetos de lei relacionados com minha formação e qualificação, tendo como foco o interesse público que pauta o trabalho do Legislativo e jamais qualquer tipo de intermediação com setores econômicos específicos”.
O arquiteto afirma, ainda, que sua empresa foi “fundada em 2009 e tem inúmeros clientes, além de 15 funcionários e colaboradores. Segundo ele, a MGM possui “mais de uma dezena de arquitetos que atendem demandas diárias da empresa em todas as suas áreas de atuação”.
Matheus também fez críticas às perguntas enviadas pela reportagem. “Repilo insinuações e informações ouvidas de interlocutores, bem como essa indevida devassa, travestida de jornalismo”.