“O governo não tem caminho para o país”, disse Armínio Fraga em entrevista recente à Veja. É como se voássemos sem destino, sensíveis à maré das circunstâncias pontuais.
Como ensina o Gato de Cheshire, em “Alice no País das Maravilhas”, “se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve”. Há algo curioso sobre um governo macunaímico, que responde a intercorrências circunstanciais com mais cinismo do que ideologia: ele pode fazer qualquer coisa; entre elas, surpreendentemente, até a coisa certa. Mesmo um relógio quebrado pode dar a hora certa duas vezes por dia.
Uma nova janela se abriu para o debate sobre o ajuste fiscal estrutural a partir da retórica dos presidentes do poder Legislativo, em especial de Hugo Motta, que tem sido bastante vocal em prol de uma solução edificante para o problema das contas públicas brasileiras.
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Em sua coluna, também na Veja, Thomas Traumann, consultor de risco político, foi taxativo sobre o momento.
Segundo ele, as recentes pesquisas Genial/Quaest mostram a perda de favoritismo de Lula para a eleição presidencial de 2026, acrescentando que “os números mostram que Lula estará no segundo turno, mas que, se não mudar o seu governo logo, só vencerá se enfrentar um adversário com o sobrenome Bolsonaro.”
Para completar, “Lula governou muito para quem gosta dele, mas pouco para quem votou nele só para evitar Bolsonaro.”
O argumento vai ao encontro da estratégia aqui defendida como pacto fáustico, em alusão metafórica ao clássico de Goethe, de uma associação ao diabo para a transformação de metais em ouro.
Na esteira do raciocínio de Traumann, podemos inferir que:
- I. Se Lula insistir numa condução política — o que inclui a economia, claro — mais à esquerda, mantidas as condições de temperatura e pressão, perderia a eleição para um candidato de centro-direita. Poderíamos até ter um ano ruim pela frente, mas isso contrataria um ciclo positivo de mercado a partir de 2026, que, aliás, poderia ser bastante intenso (lembre que o Ibovespa sai de 40 mil para 120 mil pontos com a saída de Dilma e a entrada de Temer) e longevo (ao rali eleitoral de 2026, teríamos de somar quatro anos de um governo reformista com uma provável reeleição em 2030, quando a idade avançada chegará até mesmo para Lula; um ano ruim, para nove anos bons, um trade nada mau).
- II. Já se Lula caminhar mais ao centro, o que exigiria uma política fiscal menos perdulária, colocando o país na rota…ora, não precisamos terminar o raciocínio. Esse seria o cenário bom. E o cenário bom…é, veja, o cenário bom. Ele prescinde de explicações.
A arte de perder oportunidades (de novo)
Então chegamos à seguinte matriz de payoff, sob a premissa básica de que não sabemos o que vai acontecer, pois o futuro é um bicho teimoso que insiste em ficar no futuro (nunca esquecer do mote elementar de Nassim Taleb: How to live in a world we don’t understand? Ou, como viver num mundo que não entendemos?): ou Lula arruma a política econômica e os mercados reagem de maneira positiva desde já, ou ele segue na direção de não fazer o ajuste fiscal, os mercados reagem mal agora e contratamos uma alternância do ciclo de economia política, diferindo no tempo um rali estrutural e duradouro.
Para aqueles capazes de estender seu horizonte temporal até o final do ano que vem, vale ficar comprado em Brasil desde já. Seja qual for a trajetória, sabemos o final do filme. Isso muda tudo.
Por ora, o anúncio do pacote alternativo ao IOF é mais um reforço à máxima de que somos o país que não perde uma oportunidade de perder uma oportunidade. Insistimos num ajuste fiscal centrado na receita, sem anúncios de corte de gastos.
Hugo Motta, ao menos retoricamente, aparece como uma espécie de Princesa Leia de Star Wars, nossa última esperança. Em evento nesta segunda-feira (9), volta a insistir em soluções estruturantes de longo prazo e a flertar com uma proposta de reforma administrativa a ser anunciada em julho.
Cogita-se uma nova reunião com líderes para talvez avançarmos na discussão do dispêndio — reportagem de hoje do Valor trata da apresentação pelo ministério da Fazenda de trava para a compensação que a União faz ao Fundeb e de medidas para combater o crescimento das concessões judiciais do BPC. Não houve consenso sobre o tema, mas, dadas as restrições fiscais objetivas e pronunciadas, seria razoável imaginar a retomada da discussão à frente.
O ideal seria aproveitarmos a janela para debater desvinculação dos pisos de saúde e educação e a mudança do indexador das aposentadorias — então, eu perceberia estar sonhando e pediria logo um pônei!
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Entre o fiscal possível e o político improvável
Frustrações à parte, há uma sinalização importante das recém-anunciadas propostas de ajuste fiscal: ainda que pelo lado da receita e sem atacar soluções de longo prazo, existe um compromisso com a não-explosão fiscal.
Para aqueles que não alimentam expectativas ingênuas e trabalham sem falsas esperanças de uma grande guinada ortodoxa e fiscalista, essa me parece uma boa notícia.
Tenho definido o ano de 2025 como uma ponte para o futuro (qualquer semelhança ao documento de 2015 do MDB pode não ser mera coincidência): ele é o ano que antecede 2026. Mais do que uma obviedade cronológica, a afirmação pede atenção ao fato de que a grande discussão de Brasil acontecerá mesmo no próximo ano.
Por enquanto, o importante é que a ponte esteja erguida, sem ser dinamitada. Esse é o mérito das medidas de ajuste fiscal.
E, se a grande bifurcação ocorre mesmo em 2026, a pesquisa Genial/Quaest emite sinais alvissareiros.
Lula empata com cinco candidatos da direita nas intenções de voto, sendo que a maior parte deles é desconhecido por cerca de metade da amostra.
Respeito o argumento tipo Daniel Leichsering de que o cenário não é realista, pois os candidatos da oposição estão em situação muito distinta daquela que efetivamente estarão na hora da votação. Contudo, não me parece uma premissa muito restritiva supor que há, ceteris paribus, um aumento da probabilidade de se votar num candidato conhecido frente a um desconhecido (pergunte a si mesmo se você preferiria votar em quem conhece ou em quem desconhece).
Outro ponto interessante é que, além de Tarcísio, outros candidatos de direita sem sobrenome Bolsonaro se mostram competitivos. Então, cria-se um risco importante ao futuro do bolsonarismo: se não nomear um sucessor e insistir em um candidato do seu clã, o ex-presidente pode ver seu indicado fora do segundo turno.
Perderia a eleição e o potencial indulto. Talvez seja melhor um acordo de antemão, o que aumenta a chance de indicação de um candidato sem seu sobrenome. Isso unificaria a direita em torno de um nome, como Tarcísio, por exemplo, o que maximizaria as possibilidades de sua eleição.
Há alguns sinais escondidos em meio a tanto ruído. Eu estou comprando microcaps, calls fora do dinheiro e longas de SMAL11.
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