Já há bastante tempo, Mario Henrique Simonsen identificou uma tendência brasileira ao princípio da contraindução: repetimos experimentos que deram errado na esperança de que possam dar certo. Se a epistemologia já percebia problemas com a validade do processo indutivo, o que dizer de sua inversão? Talvez seja uma das definições de loucura.
Depois de três tentativas fracassadas, vamos mais uma vez tentar reestabelecer a indústria naval. Após impedirmos o crescimento do setor de óleo & gás, propomos de novo exigências mínimas de conteúdo nacional no segmento. Os exemplos são variados.
Contraímos agora uma nova obsessão em formação reativa: invertemos a Lei de Say. O original preconizava: toda oferta cria sua própria demanda. A versão macunaíma estabelece: toda demanda cria sua própria oferta.
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Repetindo os mesmos erros
A economia brasileira cresce acima de seu potencial. A demanda agregada se expande a ritmo superior à oferta. Se a procura por camisetas sobe e a oferta não acompanha, o preço das camisetas se eleva ou passamos a importar mais. Não há milagre da multiplicação das camisetas.
Por agregação, chegamos à mesma conclusão em níveis macroeconômicos. Estímulos de demanda num momento em que a economia cresce acima do potencial produzirão mais inflação e aumento das importações. Poderíamos aprender com o livro-texto ou, se for difícil, bastaria olhar para o governo Dilma. Deu no que deu.
Vendo a inflação acima da meta e desancoragem adicional das expectativas de inflação, o Banco Central tenta frear a demanda agregada, com intenso aperto monetário em curso. Caminhamos para um juro real ex-ante em torno de 9%, cujo propósito é justamente contrair a atividade e fazer a inflação convergir para a meta.
O freio de arrumação se faz necessário diante de expectativas de inflação convergindo para 6% neste ano (o dobro do centro da meta) e nenhum sinal de atendimento dos desejados 3% no horizonte — a mediana das estimativas para 2028 (sim, 2028!) aponta inflação oficial de 3,78%.
Conforme escrevi ao final do ano passado, um dos grandes riscos para 2025 seria a não-aceitação da necessária desaceleração da economia pelo poder Executivo.
Samuel Pessoa esculpiu coluna semanal com argumentação semelhante na Folha. Diz assim: “a maior fonte de risco para 2025 é a reação do presidente Lula aos impactos do ciclo monetário sobre a economia.
O presidente Lula irá apertar os botões, como Dilma fez nos anos de 2012 até 2014? O balão de ensaio do aumento do benefício do programa Bolsa Família sinaliza que há predisposição do presidente de apertar os botões.”
Se a proposta do ministro Wellington Dias foi prontamente negada pelo Ministério da Fazenda e pela Casa Civil, outros estímulos de demanda seguem no radar. O presidente Lula promete ampliação da oferta de crédito por meio dos bancos públicos. E lá vamos nós de novo…
Também como já escrevi, não há um erro de comunicação no governo. Há um erro de diagnóstico. O entendimento do funcionamento das leis de mercado é errado, bem como a leitura do Zeitgeist global.
Enquanto o Banco Central aperta o torniquete monetário, os bancos públicos se preparam para abrir as torneiras do crédito. A consequência: entupiremos um pouco os canais de transmissão da política monetária, o que resultará em necessidade de juros ainda maiores para conter a inflação. Caímos num equilíbrio pior.
Abrir a caixa de ferramentas de uma suposta série de benesses em favor das classes mais baixas, num momento de inflação alta e economia crescendo acima do potencial, representa, na verdade, uma seleção de maldades justamente contra os desassistidos. Mais uma vez, o discurso do bem com resultados pragmáticos do mal.
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Um novo Brasil
Falta entendimento do ciclo econômico e do momento da sociedade. Escrevi no último Palavra do Estrategista como há elementos suficientes para nos afastar de um cenário tão ruim quanto aquele de 2015. Embora a direção seja ruim, as condições materiais (expressão para agregar os marxistas de plantão, rsrs) sugerem um quadro diferente.
Algo escapa ao governo: do mesmo modo que não estamos em 2015, também não há paralelo crível com 1808. Há um novo Brasil nascendo, muito diferente daquele cujas bases se assentavam no entorno da corte.
Como ouvi recentemente de um gestor de recursos de que gosto muito (conto o milagre, mas não conto o santo), “a realidade do Brasil é muito maior que Lula. O que aconteceu no Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e interior de SP está acontecendo agora no centro-oeste. Esse é o Brasil de 100 anos, de judeus, árabes, japoneses, italianos, alemães. Suzano, Weg, Três Tentos, etc, etc. Culturalmente, muito mais forte do que o Brasil do Rio de Janeiro de 215 anos atrás. Essa turma está fazendo um novo Brasil. Você já olhou os preços da praia Brava? Essa turma que vai assumir Brasília em breve. Já assumiram a pauta, inclusive, dominaram o Congresso. A cultura é muito mais forte do que qualquer outra coisa, gostando dela ou não.”
Ainda hoje, a Gavekal escreveu assim (tradução livre, e ruim, minha mesma): “o sucesso de Javier Milei na Argentina mudou a equação política na América Latina — e talvez no mundo todo? Ao longo do próximo um ano e meio, vários grandes países latino-americanos passarão por eleições presidenciais — Chile em novembro de 2025, Peru em abril de 2026, Colômbia em maio de 2026 e Brasil em outubro de 2026; e as chances de uma grande mudança em direção à direita estão crescendo. Em sendo o caso, investidores locais devem repatriar capital e o rali desde ano visto em moedas e títulos da América Latina (especialmente no Brasil) poderá ter pernas mais longas.”
Enquanto o mundo debate um novo paradigma para 2025 e uma mudança no “common sense”, tem gente interessada em reviver o segundo PND. A parte boa de que não há oferta que reaja instantaneamente a uma maior demanda é: vale para a macroeconomia, vale para o mercado de capitais. Nossa baixa liquidez e o escasso número de empresas listadas em Bolsa não mudariam se, de repente, a demanda pelo kit Brasil subisse. As consequências são devidamente conhecidas.
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