O ministro Edson Fachin, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, a “ADPF das Favelas”, votou pela homologação parcial do plano apresentado pelo governo do Rio de Janeiro, sob a gestão de Cláudio Castro (PL), para reduzir a letalidade policial em operações nas favelas.
O julgamento da chamada “ADPF das favelas” foi retomado nesta quarta-feira (5/2) quando Fachin concluiu seu voto de 200 páginas. Após o término da fala do ministro em plenário, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, informou que, devido à complexidade do tema, o julgamento só será retomado em três semanas.
Durante o voto, Fachin observou que, apesar dos avanços decorrentes de normas editadas pelo governo estadual, são necessárias medidas complementares para reduzir a violação massiva de direitos fundamentais.
A ação
- A ação foi apresentada em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), alegando violação massiva de direitos fundamentais no estado, em razão da omissão estrutural do Poder Público na adoção de medidas para reduzir a letalidade policial.
- O autor da ação aponta a existência de um quadro de grave violação generalizada de direitos humanos em razão do descumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília.
- A decisão reconheceu ter havido omissão relevante e demora do Estado do Rio de Janeiro na elaboração de um plano para a redução da letalidade dos agentes de segurança. Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos são vinculantes para o Estado brasileiro, ou seja, representam uma obrigação.
- No voto apresentado nesta quarta, o ministro Edson Fachin, relator da ação, propôs a homologação parcial do plano apresentado pelo governo estadual. Ele observou que, apesar dos avanços obtidos a partir de diretrizes fixadas pelo Supremo em decisões cautelares proferidas durante a tramitação da ADPF 635, algumas medidas ainda não foram totalmente implementadas.
O relator constatou a existência de avanços com a edição, a partir de dezembro de 2023, de diversos atos normativos visando a redução da letalidade policial, mas observou que a superação efetiva das violações de direitos fundamentais (estado de coisas inconstitucional), demanda determinações complementares, a consolidação de medidas estruturais em andamento e um novo ciclo de acompanhamento e monitoramento com coordenação local.
Investigações
No voto, o relator propõe a adoção de medidas complementares para assegurar a independência nas investigações sobre mortes – de civis e policiais – em ações e operações policiais e para aumentar a transparência dos dados sobre letalidade policial.
Propõe, ainda, a criação de um comitê de acompanhamento do cumprimento das medidas, com a participação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPE-RJ), da Defensoria Pública do estado (DPE-RJ), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do governo estadual, de representantes da sociedade civil e de especialistas em segurança pública.
Dados públicos
O ministro observou que há dados públicos com a indicação de que, embora tenha sido realizado um grande número de operações entre 2019 e 2023, houve uma redução de 52% nas mortes decorrentes de intervenção policial, com decréscimo, inclusive, do número de policiais mortos em serviço.
Segundo dados do MPE-RJ, o número de operações policiais aumentou, com registro oficial de 457 operações policiais somente no primeiro quadrimestre de 2024, derrubando insinuações de que as restrições impostas pelo Supremo estariam impedindo o trabalho adequado das forças policiais e fortalecendo organizações criminosas.
Redução da criminalidade
As estatísticas também mostram a queda dos índices oficiais de crimes que resultaram em mortes (18,4%), roubos de veículo (44%), roubos de rua (57,2%), roubos a transeuntes (60,9%), roubos a coletivos (64,3%), roubos de celular (42,2%) e roubos de carga (56,8%).
Dados referentes a 2024, apontam que o índice de homicídios dolosos foi o menor da série histórica, desde 1991, com redução de 11% em relação a 2023, e que as mortes decorrentes de intervenção policial mantiveram a tendência de queda, com redução de 20% em relação a 2023. Em relação ao número de roubos, houve um aumento, mas fortemente concentrado no mês de dezembro.
O ministro destacou que os números evidenciam que a adoção de parâmetros de transparência e controle na atividade policial possibilitam o exercício das funções de segurança pública de forma competente e sem elevação de índices de criminalidade.
Problemas crônicos
No voto, o ministro reconheceu a gravidade da situação da segurança pública do Rio de Janeiro, especialmente em razão do controle do território por organizações criminosas, com dificuldades de trabalho para as forças policiais, da presença de foragidos de outros estados sob proteção armada e da ilegal circulação de fuzis e armamento pesado.
Observou, no entanto, que são problemas crônicos, preexistentes e relacionados com dinâmicas da criminalidade organizada em âmbito nacional, sem relação com decisões tomadas pelo STF.
Fachin refutou alegações do governo estadual de que as medidas cautelares emitidas na ADPF 635 teriam tido como consequências práticas a “migração de criminosos nacionais e estrangeiros para o Rio de Janeiro” ou a “criação de entrepostos invioláveis para a comercialização de armas e drogas nas comunidades do Rio de Janeiro”. Segundo o ministro, essa alegação não tem respaldo fático e histórico.
Ele destacou que, desde meados de 2016, há um conflito violento entre duas grandes organizações criminosas fortemente armadas, o que leva esses grupos a buscar a expansão para além de suas sedes, em São Paulo e Rio de Janeiro, visando o domínio territorial e a adesão de outras organizações criminosas por todo o território nacional, sobretudo nas regiões Norte e Centro-Oeste.
Essas dinâmicas, explicou Fachin, impulsionam a circulação de foragidos de outros Estados por todo o território nacional. Segundo ele, a presença de foragidos no Rio de Janeiro ocorrem em função do conflito, e não em busca de uma suposta proteção propiciada pelas decisões na ADPF 635.
Dados
Para assegurar a transparência e embasar a adoção de providências para continuar a redução da letalidade, o ministro determina que o governo estadual passe a divulgar dados sobre uso excessivo da força e mortes em operações policiais. Os indicadores deverão conter, inclusive, situações de uso excessivo ou abusivo da força legal e de civis vitimados em confronto armado com a participação de forças de segurança em que autoria do disparo seja indeterminada.
Câmeras corporais
O ministro propõe um prazo de 120 dias para que seja comprovada a implantação de câmaras corporais no âmbito da Polícia Civil, mas atendeu a um pedido do governo estadual para que os agentes da corporação as usem apenas nas ações ostensivas, inclusive em operações policiais planejadas, e em atividades ou diligências externas.
Para compatibilizar a determinação com a situação financeira do estado, caso não haja equipamentos para todos os agentes, as câmeras devem ser destinadas, prioritariamente, para as forças especiais e unidades ou batalhões que tenham os maiores índices de letalidade policial.
Também levando em consideração a situação fiscal do Estado do Rio de Janeiro, o ministro Fachin considera necessário autorizar continuidade de repasses do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) nos contratos antigos, que previam o armazenamento das imagens por 60 dias. Segundo as regras do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, para viabilizar os repasses, as imagens devem ser preservadas por, pelo menos, 90 dias. A medida vale apenas para contratos em vigência até a conclusão do julgamento.