Em pouco mais de 40 dias, a projeção dos agentes do mercado financeiro para o resultado da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central desta quarta (18) deu um giro.
Logo que o aumento de 0,50 ponto percentual foi confirmado em maio, elevando a taxa Selic a 14,75% ao ano, era quase unanimidade que as altas iam parar. As opções de Copom — contratos negociados na B3 que indicam as probabilidades para cada decisão —, registravam menos de 30% de chances para novas altas.
Mas o cenário virou de cabeça para baixo, e a expectativa de um novo aumento na Selic ganhou força no início do mês. As opções de Copom passaram a projetar alta de 0,25 ponto percentual (p.p.). A probabilidade deste aumento residual superou os 50%na última segunda-feira (16), depois de um pico de 70% na semana passada.
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Há quem tenha mudado de ideia por causa da crise do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) ou da força da atividade econômica, que continua resiliente neste começo de ano, mas não é o caso de Fábio Kanczuk, ex-diretor do Banco Central e diretor de macroeconomia do ASA.
O que fez Kanczuk mudar sua análise anterior de manutenção para alta foram os próprios diretores do Banco Central, que mudaram de discurso desde a última reunião e passaram a adotar falas de continuidade do ciclo de alta, não de uma estratégia de hiato.
“Inicialmente a comunicação indicava que eles estavam considerando a estratégia para manter os juros parados por um período prolongado. Quando você está preocupado com isso, você já parou e está pensando numa segunda etapa, que é a de sinalizar que vai ficar parado. Mas, aí mudou para ‘ainda estamos pensando sobre o ciclo de altas’. Ué, então aumentar os juros continua em jogo”, disse Kanczuk, em entrevista ao Seu Dinheiro.
Com isso, o ASA mudou sua projeção para um novo aumento de 0,25 p.p., e o cenário-base da casa aponta para a Selic em 15% ao ano no fim de 2025.
Entretanto, trata-se de uma projeção de 15% com orientação futura em aberto.
“Em aberto mesmo. Significa que o Copom pode dar mais um aumento de 0,25 p.p. e elevar para 15,25%. A gente avalia que isso é completamente possível”, disse o diretor do ASA.
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Sem compromisso com a meta
Kanczuk vê este aumento residual de 0,25 p.p. como mais do que necessário por dois motivos:
- Primeiro, tem o efeito de aumentar a restrição dos juros e ajudar no cenário contracionista atual, que tem como objetivo diminuir o ritmo da atividade econômica do país.
- Segundo, porque se trata de uma sinalização de que os diretores do Banco Central estão comprometidos com a convergência da inflação de volta para a meta de 3% ao ano.
E essa questão da sinalização é o ponto mais importante, segundo o ex-diretor do BC. Ele avalia que a autarquia está em um momento de baixa credibilidade.
“Ninguém acredita que o BC está buscando cumprir a meta de inflação. Por quê? Porque não está cumprindo há vários anos. Então, as pessoas pensam ‘se não está comprometido em cumprir, vai cortar os juros antes do necessário’ e precificam isso nos juros futuros”, afirmou.
Essa precificação de corte dos juros no curto prazo está prejudicando o efeito da política monetária na economia real, na opinião de Kanczuk. Enquanto a meta da Selic está na faixa dos 14,75% ao ano e pode chegar a 15%, a taxa futura de dois anos — negociada no mercado financeiro e referência para o crédito — está abaixo dos 14%.
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Com as eleições de 2026 já batendo na porta, Kanczuk avalia que o BC não vai conseguir convencer os agentes do mercado de que não irá cortar juros no curto prazo, mesmo que deixe a orientação futura em aberto.
Isso significa que as expectativas de inflação futuras vão continuar desancoradas — fora da meta de 3% ao ano —, e as chances de o Banco Central cumprir o objetivo de levar o índice de preços de volta para a meta são muito baixas.
Caso o aumento de 0,25 p.p. se confirme nesta quarta, e a orientação futura (guidance) fique em aberto, o ex-diretor do BC espera que a curva de juros futuros de curto prazo suba para um patamar mais alto e ajude a sustentar um cenário mais contracionista.
O que o Copom deveria fazer?
Na opinião do diretor do ASA, colocar os juros lá no alto e provocar uma recessão econômica forte.
“As expectativas [de inflação] estão desancoradas até 2028. Para convencer [o mercado] em um momento ruim como o atual, tem que ser duro. Mais duro do que o normal”, diz Kanczuk.
Diferentemente da estratégia que o Copom adotou, de elevar a taxa básica de juros em 1 p.p. duas vezes consecutivas em dezembro e janeiro, o ex-diretor acredita que pequenas altas consecutivas teriam tido um efeito melhor.
Para ele, o Banco Central teria sido mais claro sobre suas intenções se tivesse optado por aumentos consecutivos de 0,25 p.p. a partir dos 14% ao ano, sempre sinalizando novos aumentos até que a economia começasse a dar sinais de desaceleração e até de contração.
Kanczuk vê a necessidade de uma desaceleração forte na economia, como a observada em 2004, ou uma recessão significativa, como a do período entre 2014 e 2016, para ser possível convergir a inflação de volta para a meta de 3%.
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Os aumentos pequenos e consecutivos na Selic teriam permitido uma visualização melhor dos efeitos na economia, na opinião do diretor do ASA.
“Essa estratégia dá tempo para a economia sentir o peso dos juros e contrair, e faz com que a curva dos juros futuros não incline para baixo, como está acontecendo agora”, afirma.
Para ele, 0,50 p.p. e 1 p.p. são valores altos e que demoram a fazer efeito na economia. Também têm a desvantagem de mudar a atenção do mercado para a projeção de queda, não mais para novas altas. Com oito reuniões do Copom por ano, seria possível aumentar a Selic em 2 p.p. devagar e com melhores resultados.
Porém, Kanczuk considera sua estratégia pouco ortodoxa: “Essa é minha estratégia favorita, mas é maluquice minha. Não tem ninguém com essa cabeça.”
O que de fato pode acontecer com a Selic?
Assim como o mercado projeta e precifica, o ex-diretor acredita que o aumento de 0,25 p.p. virá e o corte no fim do ano também: o aumento pela questão da credibilidade, e o corte pela pressão política.
Nos dois casos, entretanto, Kanczuk avalia que o Banco Central tem argumentos bons para sustentar as decisões, embora não concorde com elas.
A atividade econômica continua forte no país, com o Produto Interno Bruto (PIB) registrando crescimento de 1,4% no primeiro trimestre — ainda que muito sustentado pelo agronegócio, e pouco por serviços e indústria.
“No último comunicado, parecia que o Copom esperava uma desaceleração, mas não aconteceu. Isso não foi uma surpresa aqui no ASA, mas acredito ter sido para eles. Então, eles podem revisar o que seria o início do hiato para mais para a frente”, disse.
Mesmo com a possibilidade de novas altas na mesa, o cenário-base do ASA é de pausa após essa alta até o fim do ano, entre novembro e dezembro.
Por volta desta época, Kanczuk acredita que o Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, deve iniciar o seu corte de juros. Este seria o gatilho para o Brasil fazer o mesmo.
“É um argumento que faz sentido. O Brasil fica mais atrativo para investimentos, tem um efeito significativo de valorização do real e com potencial de reduzir a inflação. Se o mundo diminuiu os juros, porque não diminuir aqui também? É um argumento correto”, avalia.
Mas fica o contraponto: se o BC tomar a decisão de abraçar a oportunidade de queda dos juros nos EUA para diminuir aqui, Kanczuk acredita que será mais uma sinalização de que a busca da meta de inflação não é a prioridade.
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