Cerca de um ano antes da Petra Gold ser denunciada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) — entidade que disciplina, fiscaliza e desenvolve o mercado de valores mobiliários no Brasil — os sócios Eduardo Monteiro Wanderley e Diego Ribeiro de Jesus (foto em destaque) já discutiam a emissão de debêntures de forma irregular.
A coluna teve acesso ao inquérito policial e aos prints que demonstram conhecimento da irregularidade e, posteriormente, da falência do grupo. Nas mensagens, os sócios debatem estratégias para atrair novos investidores de forma irregular — práticas essas que podem caracterizar um esquema Ponzi (operação fraudulenta sofisticada de investimento do tipo esquema em pirâmide).
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A Petra Gold e seus sócios são investigados por aliciar investidores para que aplicassem seus recursos em operação fraudulenta no mercado de capitais, por meio de debêntures privadas com características de emissão pública sem registro prévio de emissão junto ao CVM. À polícia, centenas de vítimas relataram que o grupo passou a se negar a devolver os valores aplicados alegando falta de liquidez.
Apesar do primeiro sinal de irregularidade ter sido notado pela CVM em meados de 2019, a investigação, ainda hoje, segue sem desfecho e sem condenações. Enquanto os investidores lesados batalham para recuperar os valores aportados.
Consciência do erro
Em agosto de 2018, Eduardo e Diego discutiram, por meio de um aplicativo de mensagens, as vendas de debêntures.
Meses depois, em abril de 2019, as advertências emitidas pela autarquia responsável por fiscalizar esse modelo de empresa já preocupavam os sócios. Nas mensagens, Eduardo contava a Diego que um dos investidores havia solicitado resgate e questionava o parceiro se o homem estaria preocupado com a insolvência da empresa.
Em resposta, Diego parece encaminhar textos trocados com um segundo cliente que havia feito questionamentos quanto à solidez da empresa. Nas mensagens, ele explicou que uma consulta sobre como a Petra Gold comercializava debêntures havia sido feita em 2018 e que a análise havia resultado em um processo. “Como a emissão é privada, a característica de comercializar estava um pouco fora do padrão; então mandaram a gente parar de vender”, detalhou.
Como forma de acalmar o homem, que confessou estar preocupado, Diego declarou que não existiam riscos. “A palavra “tranquilo” não seria a mais adequada, claro que gera uma angústia por ser um fato novo; agora, é acompanhar com o advogado.” Em resposta, o investidor confessou que receava perda de liquidez por parte da Petra Gold por meio de uma debandada.
Diego, então, assegurou que não estava havendo debanda e que logo a empresa estaria comercializando as debêntures na modalidade pública.
Em resposta às mensagens, Eduardo encaminhou um texto que declarava a necessidade da Petra Gold passar a captar diretamente dos investidores, mas fora do radar da CVM.
“Mas como é ainda um contrato de investimento, a CVM sempre poderá estar no radar neste momento delicado interna e externamente, com o risco sempre de um fdp (sic) desses fazer uma denúncia (veja o texto completo abaixo).”
Após apresentar sua proposta, Eduardo cita as vantagens do modelo. “Para mim, a principal, fugimos 100% do radar da CVM, pois estamos vendendo uma franquia, não celebrando um contrato de investimento; Dessa forma, podemos continuar numa captação contínua, até o dia em que não precisar mais, o que será este ano (2019).”
A queda
No ano seguinte, em 2020, os sócios já discutiam sobre a rescisão de contratos a pedido de alguns bancos. Enquanto a Petra Gold caia e os sócios se desesperavam com o que chamavam de “falta de liquidez” investidores que desconheciam as irregulares continuavam a aportar valores significativos. A diferença era que, a essa altura, os saques mensais já não ocorriam com facilidade.
Em um dos prints, Eduardo encaminha a Diego o áudio de um investidor frustrado quando às dificuldades enfrentadas para fazer resgates. “Não foi feita a transferência solicitada. Isso é péssimo. Perdemos a confiabilidade (sic) em vocês. Infelizmente, vou ter que tomar outras providências, porque passei a não acreditar mais na Petra Gold. Porque pedimos a transferência, não foi feita”, declarou o investidor.
Eduardo responde que o “parcelamento” precisava ser negociado, uma vez que a empresa já não tinha condições de pagar resgates de forma integral.
A partir daquela data, outubro de 2021, os sócios passaram a se lamentar pela falta de dinheiro e Eduardo passou a reforçar, em diferentes datas, que teria de colocar “algumas coisas” como sua própria casa como garantia para ter poder de “barganha e estender os parcelamentos”.
Mesmo com o cenário crítico e denúncias registradas, as debêntures continuavam a ser vendidas a quem desconhecia o caos proveniente das irregularidades.
Enquanto os investidores aportavam e perdiam dinheiro, a organização criminosa investiu parte do montante em patrocínios culturais e esportivos, além da aquisição de um teatro no Leblon e do financiamento de museus como o MAR e o MAM.
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Operação
Informações da polícia apontam que a primeira operação para mirar o grupo foi deflagrada mais de cinco anos depois do início da trama.
Em dezembro de 2024, na primeira fase da Operação Lóris, a Justiça determinou o sequestro de bens de Wanderley e demais investigados, no total de R$ 300 milhões. As investigações apontam que, além dos crimes financeiros, o grupo teria praticado gestão fraudulenta de instituição financeira e estelionato, ao prometer aos investidores rendimentos de 1,3% ao mês, sem respaldo legal ou financeiro.
Na última quarta-feira (21/5), seis meses depois, a segunda fase da Operação Lóris foi deflagrada, com o objetivo de apurar a venda irregular de obras de arte apreendidas na primeira fase da investigação, que estavam sob responsabilidade de Eduardo na condição de depositário fiel.
Os investigadores cumpriram um mandado de busca e apreensão na residência do investigado, localizada em Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, para identificar outras obras que possam ter sido ocultadas ou comercializadas de forma ilegal.
Segundo a PF, mesmo após o bloqueio judicial, as obras de arte foram indevidamente vendidas pelo investigado, o que motivou a nova ofensiva policial.
A coluna apurou que as obras teriam sido vendidas a um leiloeiro. À polícia, Eduardo garantiu que somente vendeu as obras porque havia se confundido com as telas que não estavam sob mira policial.