Em um período de vacas magras na bolsa, o investidor que incluiu o frango — ou melhor, as ações da BRF (BRFS3) — na carteira se serviu de um verdadeiro banquete. Após uma longa reestruturação, a dona das marcas Sadia e Perdigão voltou a lucrar, anunciou aquisições e aproveitou até para retomar o pagamento de dividendos depois de quase dez anos.
O resultado se traduz no valor de mercado da companhia na B3, que chegou perto das máximas dos últimos cinco anos no fim do ano passado. Apenas em 2024, os papéis dispararam mais de 80%, a segunda maior alta do Ibovespa no período — à frente da controladora Marfrig (MRFG3).
Só que a virada do ano também coincidiu com uma mudança na tendência para a BRF. Desde janeiro, as ações da companhia amargam uma queda de mais de 20%, justamente em um momento no qual a bolsa brasileira esboça uma reação.
Afinal, será que a valorização excepcional da BRF foi apenas um “voo de frango” como parte dos analistas temia ou a baixa recente abre uma nova oportunidade para abocanhar os papéis?
Para os mais pessimistas, a queda do dólar e a valorização das commodities — especialmente do milho — tendem a pressionar os resultados. Por outro lado, a companhia pode ser uma das beneficiadas da guerra comercial com as tarifas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Na reportagem a seguir, o Seu Dinheiro traz em detalhes os fatores que devem determinar a trajetória das ações da BRF (BRFS3) na bolsa.
E MAIS: Veja os 3 segredos de uma carteira vencedora em meio às incertezas de 2025, segundo Felipe Miranda, da Empiricus
O que pode atrapalhar o ciclo de alta da BRF em 2025
Começando pelo que deu errado, a recente depreciação do real frente ao dólar trouxe dúvidas em relação aos impactos em diferentes setores da economia, incluindo as empresas do agro, como a BRF.
Em dezembro, a moeda americana atingiu recordes históricos com a piora na percepção de risco fiscal e os efeitos da eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA. No dia 17 de dezembro, o dólar atingiu R$ 6,20 — a maior cotação desde a criação do real, em 1994.
Em momentos de disparada do dólar, empresas exportadoras como a BRF tendem a se beneficiar.
No entanto, desde o início do ano, o dólar tem se desvalorizado ante o real e atualmente a moeda é negociada na casa dos R$ 5,70. No curto prazo, a expectativa é de que a divisa mantenha trajetória de queda.
Variação do dólar: a faca de dois gumes da BRF
Com o sinal de que a tempestade do câmbio pode estar começando a acalmar por aqui, os resultados das principais exportadoras de alimentos, como a própria BRF — que vende uma parte significativa de sua produção para o exterior —, podem perder fôlego.
Isso porque quando o dólar cai, os ganhos da companhia convertidos para reais diminuem, impactando a receita. Com menor receita em reais, a margem de lucro da dona da Sadia também pode ser comprimida, especialmente se custos locais como mão de obra, energia e insumos agrícolas (milho e soja, por exemplo) continuarem mais altos.
E mesmo que o real mais forte reduza o custo de insumos importados, como equipamentos e parte da ração animal, o benefício geralmente não compensa as perdas com exportação.
Vale lembrar que empresas exportadoras costumam se proteger contra variações cambiais, mas quedas abruptas do dólar podem afetar contratos e previsões financeiras, tornando mais difícil gerenciar custos e investimentos. E a falha na utilização de instrumentos de hedge (proteção) cambial e de commodities, aliás, estão entre os principais riscos para a ação da BRF em 2025, segundo o mais recente relatório do BB Investimentos (BB-BI).
Os analistas do BB-BI estão entre os que estão otimistas com a BRF. Tanto que em dezembro elevaram a recomendação para as ações para compra, com preço-alvo de R$ 33 — o que implica um potencial de valorização de 64% sobre o fechamento de sexta-feira (14).
No ano de 2024, a BRF superou as expectativas dos analistas do BB-BI, reportando margens superiores às estimadas. Para a analista Georgia Jorge, a companhia deve seguir com desempenho positivo em 2025, considerando, principalmente, três fatores:
- Câmbio (ainda) favorável às companhias exportadoras;
- Mudança no ciclo pecuário no Brasil, o que deve direcionar o consumo às proteínas mais baratas, como as de aves e suínos;
- Baixo patamar de alavancagem financeira e forte geração de caixa, permitindo maiores investimentos em crescimento e distribuição de dividendos.
Milho em alta e o risco para as margens
Em relação ao aumento de preços de commodities, o milho pode ser o principal vilão. Vale destacar que a BRF depende fortemente de milho e soja para a ração dos animais.
Após um longo ciclo favorável de preços, as cotações do milho seguem avançando no mercado brasileiro em 2025. Em janeiro, o preço dos grãos foi o que acumulou a maior alta entre as commodities agrícolas.
Embora os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indiquem que 95% da área destinada ao milho da safra 2024/25 já foi plantada em fevereiro, a colheita, por outro lado, está mais atrasada em comparação com a safra anterior, de 2023/24.
Com isso, o aumento nos preços pode reduzir as margens da BRF, já que ele é essencial na alimentação dos animais. Se a empresa não repassar os custos para o consumidor, os lucros serão afetados e sua competitividade no mercado também pode diminuir.
VEJA MAIS: Guia gratuito do BTG Pactual revela a recomendação para a Vale (VALE3) diante da temporada de balanços do 4T24; confira
BRF ganha ou perde com o tarifaço de Trump?
Outro fator que deve mexer com as ações da BRF atende por nome e sobrenome: Donald Trump. Para os analistas, existe um cenário favorável para as proteínas do mercado brasileiro no exterior e oportunidade de novas habilitações para exportações em meio ao “tarifaço” do presidente dos EUA.
Uma retaliação do México contra as tarifas americanas, por exemplo, poderia beneficiar produtores brasileiros de aves, já que o México é um grande importador de frango dos EUA.
O Brasil tem aumentado suas exportações de aves para o México, que atingiram 4,5% do total das exportações brasileiras de aves em 2024, de acordo com o BTG Pactual.
“Se o México transferir mais de suas importações para o Brasil assim que as aves dos EUA se tornarem menos competitivas, a JBS (JBSS3) e, em maior medida, a BRF (BRFS3) poderiam estar entre os maiores beneficiários. Até certo ponto, isso também se aplica a outras proteínas, como carne bovina e suína”, afirmam os analistas em relatório recente.
Em 2018, a China retaliou com tarifas de 25% sobre a soja americana, o que aumentou a demanda pela soja brasileira, elevando os preços. Caso um cenário semelhante ocorra, os produtores brasileiros de soja devem se beneficiar, segundo o banco de investimentos.
No ano, a ação da BRF acumula queda de 20,23%. Em 2025, BRFS3 sofreu o primeiro baque do ano com os casos de gripe aviária nos EUA, que levaram o estado da Geórgia a suspender temporariamente as atividades relacionadas à avicultura e as vendas de aves.
Próximos resultados sob pressão
À espera da temporada de resultados do quarto trimestre de 2024, os analistas do BTG acreditam que as empresas devem seguir tendências semelhantes aos trimestres anteriores, com os players avícolas do setor agrícola ainda reportando margens sólidas.
No terceiro trimestre de 2024, a companhia registrou um lucro de R$ 1,137 bilhão, revertendo o prejuízo de R$ 262 milhões em relação ao mesmo período de 2023. Já a receita líquida da companhia foi de R$ 15,5 bilhões, um aumento de 12,4% na comparação anual.
Nos nove meses anteriores à divulgação dos resultados do terceiro trimestre, a empresa alcançou o melhor desempenho de sua história, anunciando o pagamento de R$ 946 milhões em proventos. Esse foi o primeiro pagamento de dividendos desde 2016.
“Embora a JBS (via Seara e PPC) e a BRF ainda devam apresentar resultados fortes, as margens devem diminuir em sequência, mesmo com o suporte de um câmbio mais forte (em média, o real desvalorizou 5% em relação ao dólar em relação ao trimestre anterior.”
Segundo Thiago Duarte, Guilherme Guttilla e Bruno Henriques os volumes de frango estão aumentando, mas os preços de exportação em dólar estão caindo, enquanto os custos em dólar começam a afetar a lucratividade. O impacto mais forte deve ocorrer em 2025.
Ou seja, a lucratividade pode ser pressionada nos próximos meses.
O BTG Pactual, inclusive, tem recomendação equivalente a neutra para as ações BRFS3.
Na avaliação do Bank of America (BofA), a oferta apertada e os custos baixos de ração mantiveram as margens dos produtores de frango muito altas no ano passado.
“Esperamos que as margens de frango enfrentem comparações difíceis no segundo semestre, mas reconhecemos que a menor disponibilidade de carne bovina pode apoiar a demanda e os preços do frango”, afirma o BofA em seu último relatório sobre a companhia.
“A menor taxa de eclosão e as taxas mais altas de mortalidade também podem impedir uma aceleração na produção”, escreveram os analistas, que têm recomendação neutra para as ações da BRF (BRFS3).
The post É o fim do “banquete” da BRF (BRFS3) na bolsa? Alta dos custos, dólar e até Trump mexem com as ações na B3; saiba o que esperar appeared first on Seu Dinheiro.