O segundo mandato de Donald Trump já conseguiu um feito notável: causar mais confusão geopolítica em dois meses do que em toda a sua primeira passagem pela Casa Branca — o que, convenhamos, não era tarefa trivial.
Se antes ele operava como um presidente transacional, contido por instituições internas e por líderes estrangeiros ainda dispostos a jogar o jogo diplomático, agora vem sem amarras, mais assertivo, e com disposição total para detonar o que restava da velha ordem internacional.
Não demorou muito para que qualquer ilusão de continuidade evaporasse.
A política externa americana deixou de ser apenas errática para se tornar francamente beligerante — e os aliados, especialmente a Europa, estão sentindo o baque.
A aliança transatlântica já vinha cambaleando. Agora, parece clinicamente morta. O que antes era desconfiança civilizada virou má vontade explícita. O tom azedou — e ninguém faz mais questão de esconder.
Enquanto isso, os mercados globais se preparam para o que Trump batizou de “Dia da Libertação”, amanhã, 2 de abril.
O plano de Donald Trump: lançar uma nova leva de tarifas recíprocas.
Um espetáculo tarifário com potencial de bagunçar de vez o tabuleiro comercial global.
Os investidores, naturalmente, estão com os nervos à flor da pele.
A dúvida não é mais se as tarifas virão — isso já parece favas contadas.
A verdadeira incógnita agora é o tamanho do estrago.
Fontes da própria Casa Branca já deixaram escapar que o Brasil está no radar, apesar dos malabarismos diplomáticos do governo brasileiro para parecer inofensivo, com direito a aceno tímido ao déficit comercial com os EUA como suposto escudo.
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O Brasil na equação
Mas sejamos francos: Trump não lê planilhas, muito menos se deixa convencer por salamaleques protocolares. Se for conveniente bater no Brasil, ele vai bater — e com gosto, sem bilhete de aviso prévio.
Desde 2009, os EUA acumulam superávit comercial com o Brasil, que chegou ao auge em 2022 (US$ 13,9 bilhões), antes de despencar para US$ 1 bilhão em 2023 e míseros US$ 0,3 bilhão em 2024.
Em tese, isso reduziria a vulnerabilidade brasileira, já que os alvos preferenciais das ofensivas protecionistas americanas costumam ser países com grandes superávits. Mas há um porém.
O Brasil cobra tarifas médias de 5,8% sobre produtos americanos (diferente da famigerada tarifa “de 12%”, que é uma média simples, sem ponderação por volume ou valor de importação) — um nível comparável a China e Índia, e bem mais salgado do que os praticados por Canadá e União Europeia.
Em contrapartida, produtos brasileiros enfrentam uma tarifa média de apenas 1,3% ao entrar nos EUA.
Fontes: BTG e World Trade Solution.
Incerteza corrói a confiança (de todos)
Seja como for, esse ambiente de incerteza corrosiva já vem minando a confiança de consumidores, empresários e investidores.
Em um mundo racional, esse desaquecimento generalizado abriria espaço para cortes de juros. Mas o mundo não é mais racional — e tampouco normal.
A inflação subjacente segue teimosa, e as tarifas prometem adicionar combustível à fogueira acesa por Trump.
O Fed, claro, observa tudo com apreensão.
Se cortar juros agora, estimula a inflação. Se esperar demais, corre o risco de empurrar a economia para a estagflação.
Aliás, não é exagero dizer que essa ofensiva tarifária de Donald Trump pode ser a maior intervenção comercial desde a famigerada Smoot-Hawley — aquela mesma que ajudou a empurrar o mundo para a Grande Depressão.
Ou, então, pode não dar em absolutamente nada.
Trump adora encenação.
Talvez mude de ideia, adie, ou feche um acordo improvisado no último segundo. Mas até que isso aconteça, o mercado está pagando — caro — pela imprevisibilidade de Trump.
Como se não bastasse, Trump ainda resolveu agitar o tabuleiro energético global.
Agora, Trump ameaça aplicar “tarifas secundárias” sobre o petróleo russo — ou seja, penalizar diretamente os países que ainda compram barris de Moscou.
A medida vem disfarçada de pressão diplomática por um cessar-fogo, mas soa mais como retaliação com verniz moral.
A cartada surgiu após a última proposta do Kremlin: colocar a Ucrânia sob tutela da ONU até que novas eleições sejam organizadas — uma ideia que, como era de se esperar, foi prontamente descartada por Washington.
A manobra de Putin é óbvia: testar os limites de Trump, tentando ver até onde ele está disposto a forçar a Europa a aliviar as sanções.
Só que brincar com Trump é sempre um jogo perigoso.
A imprevisibilidade que lhe dá força também o torna um risco difícil de calibrar. E se Moscou errar a mão, o troco pode vir mais duro do que o esperado.
Com isso, o petróleo voltou a subir.
O Brent já negocia acima de US$ 74, puxado pelo aumento do prêmio de risco.
Faz sentido: em janeiro, a demanda por petróleo nos EUA foi a maior desde que o dado passou a ser registrado, em 1963, segundo a Administração de Informações de Energia. E a produção caiu para o menor nível desde fevereiro de 2024. Um aperto de oferta e demanda, agravado por incerteza geopolítica.
O ouro também entrou no jogo: subiu mais de 1% na segunda-feira e fechou a US$ 3.122,8 por onça-troy — um novo recorde.
Em tempos de instabilidade, o metal sempre brilha, como voltei a falar recentemente neste espaço.
Não por acaso. Investidores estão fugindo do risco e buscando proteção. Além das tarifas, tensões no Oriente Médio e a crise na Ucrânia completam o cenário de aversão.
Em resumo, a quarta-feira (2) virou uma espécie de ponto de inflexão para os mercados globais: tarifas, petróleo e Rússia se combinam num coquetel inflamável.
Se vier o tarifaço completo, é o início de uma nova era de desglobalização forçada, com impacto direto nos preços, no comércio e na estabilidade.
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