Começamos a semana sob os efeitos de um raro cessar-fogo tarifário: a Casa Branca anunciou que um acordo parcial com a China teria, enfim, sido firmado — ou, pelo menos, apresentado como tal. Segundo os termos divulgados, ambos os lados concordaram em suspender, por 90 dias, a escalada de tarifas.
Os EUA reduziram suas alíquotas sobre produtos chineses para 30%, enquanto Pequim ajustou suas taxas sobre importações americanas para 10%. Embora os detalhes técnicos sigam pendentes, o simples sinal de racionalidade em meio ao caos geopolítico foi suficiente para reacender o apetite por risco nos mercados globais.
A reação foi rápida e generalizada: as ações americanas subiram, contagiando as bolsas europeias e asiáticas. O petróleo, por sua vez, chegou a avançar cerca de 3% ontem (12), refletindo a percepção de que, com menos atrito entre as duas maiores economias do planeta, a demanda por energia tende a se manter mais firme.
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Em um ambiente ainda marcado por ruído político e incertezas externas, qualquer gesto que remeta à previsibilidade tende a ser premiado. A leitura também é positiva para alguns ativos brasileiros que reagem bem à descompressão global.
China x EUA: o que está em jogo?
A Casa Branca tratou logo de rotular o movimento como um “acordo comercial”, embora o conteúdo concreto ainda seja nebuloso. O que se sabe até agora é que a tarifa média entre as duas potências cairá de algo próximo a 125% para cerca de 10%, com exceção das alíquotas de 20% sobre produtos chineses ligados ao fentanil.
Na prática, trata-se de um cessar-fogo tático, não de um armistício definitivo. As negociações ocorreram no fim de semana, na Suíça, e sinalizam uma tentativa de evitar que a guerra tarifária entre EUA e China contamine ainda mais o ambiente econômico global — ou, ao menos, postergar o estrago.
O objetivo imediato, ao que parece, é garantir uma janela de 90 dias para que as partes voltem à mesa com menos pólvora e mais cálculo. Ainda assim, é preciso cuidado com o otimismo prematuro, afinal, acordos parecidos já foram firmados antes.
Em 2018, uma suspensão semelhante foi anunciada com estardalhaço, mas ruiu em questão de semanas, dando início a 18 meses de tarifas adicionais e culminando em um acordo de “Fase Um” que a China nunca cumpriu integralmente. A guerra comercial, como aprendemos, não termina: apenas muda de forma.
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Trégua entre EUA e China ajuda o Brasil?
A reação brasileira ao armistício tarifário tem sido, no mínimo, peculiar. Se por um lado a trégua parcial afasta o fantasma da recessão global e reacende o apetite por commodities — com destaque para energia e metais —, por outro, uma série de forças contrárias também começa a moldar o desempenho do mercado local.
A alta das matérias-primas impulsiona os papéis ligados ao setor, o que, por efeito de composição, dá tração ao Ibovespa. Mas esse rali tem nuances: ele não é homogêneo nem inteiramente saudável.
Três vetores adicionais ajudam a explicar esse novo quadro.
Primeiro, observamos uma reversão parcial do fluxo que vinha abandonando os EUA em direção a mercados negligenciados, como os emergentes — uma migração que agora perde tração conforme os receios com o crescimento americano diminuem.
Segundo, o alívio com a desaceleração global reduz a probabilidade de afrouxamento monetário nos EUA, o que empurra para cima as curvas de juros mundo afora — afetando negativamente os ativos mais sensíveis ao juro real no Brasil, como as ações de consumo doméstico e varejo, que vinham liderando os ganhos.
Por fim, há um componente técnico relevante: em um ambiente sem dinheiro novo, investidores estão apenas rotacionando posições — saindo das teses que já andaram (principalmente cíclicos domésticos) para aquelas que estão andando agora (commodities), gerando uma performance mais heterogênea dentro do índice.
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Um alívio conjuntural ou estrutural?
O que temos neste momento é um alívio conjuntural, não uma solução estrutural. O conflito comercial segue em suspenso, não resolvido.
A disputa entre o protecionismo americano e a busca chinesa por autonomia industrial continuará ditando os rumos das cadeias globais e, por extensão, dos ativos brasileiros.
Ainda assim, esse hiato tarifário — por mais frágil que seja — pode continuar favorecendo o Brasil de maneira mais ampla do que o mercado parece precificar. Afinal, enquanto o mundo se reorganiza, o tempo pode servir tanto para um recomeço quanto para preparar o próximo embate.
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