São Paulo — João Vitor Campilhas Andrade é um dos nomes que aparecem nos créditos finais do filme brasileiro Ainda Estou Aqui, que concorre a três categorias no Oscar, em cerimônia realizada neste domingo (2º/3). Nascido na comunidade México 70, em São Vicente, na Baixada Santista, o jovem de 26 anos atuou como segundo assistente de maquinária nas filmagens do longa estrelado por Fernanda Torres e dirigido por Walter Salles.
João Vitor foi indicado para a vaga da segunda fase de gravações do filme, e viajou de São Paulo ao Rio de Janeiro para isso. No set, ele foi responsável pelo manuseio de equipamentos e também pela montagem das estruturas de filmagem. “Eu era realmente uma criança ali. Tinha dois, três anos de experiência, enquanto o mais novo da equipe tinha pelo menos dez. Trabalhar ao lado de profissionais tão experientes foi muito representativo para mim”, relembra.
Uma das trocas mais marcantes para João Vitor foi com Walter Salles, que de acordo com ele fazia questão de saber o nome de cada integrante da equipe enquanto mantinha um set tranquilo e respeitoso. No último dia de gravações em que João Vitor participou, o diretor parou tudo e fez um discurso de agradecimento pelo trabalho dele e de seus colegas. “Foi nesse momento que me senti pertencente. Quando me perguntam se eu trabalhei no filme, eu falo: é, eu tô concorrendo a três Oscars”, disse.
O contato de João Vitor com o cinema foi bem anterior: especificamente no segundo ano do Ensino Médio, em 2016. Na época, ele passou em um processo seletivo para fazer um curso de capacitação profissional em audiovisual do Instituto Querô, uma instituição sem fins lucrativos que atua na formação de jovens da Baixada Santista no audiovisual há mais de 20 anos.
No curso, João Vitor e outros 39 jovens aprenderam, em 2 anos, a construir um produto audiovisual desde o roteiro até a pós-produção. Em pouco tempo, ele já estava atuando profissionalmente. “O cinema me abraçou muito cedo. Já no primeiro ano eu fui agraciado por um fotógrafo que gostou muito de mim e me chamou para o meu primeiro trabalho”, conta o jovem.
“O Danilo Pimental [fotógrafo] foi me mostrando o que era fotografia, o que era o cinema, o que era exercer o próprio olhar, contar a sua própria história, da sua perspectiva. E eu fui me apaixonando cada vez mais por essa área, e tendo mais para mim que era isso o que eu queria fazer na minha vida”, disse ao Metrópoles.
Depois disso, João Vitor foi pegando um trabalho atrás do outro. Em um deles, precisava em um só dia bater e voltar entre São Vicente e a zona oeste de São Paulo, um trajeto de 77 km que fazia de ônibus e metrô — o que resultava em noites de três horas de sono. Antes disso, precisou trabalhar em outros lugares para compor renda: pastelaria, camelô, coleta de lixo e muitos outros. Mas o cinema sempre voltava.
“Até agora é meio estranho, cair essa ficha. Eu vim do México 70. Pessoas da rua, da família, olhavam e falavam: ‘Cuidado. Esse moleque vai ser tranqueira’. E hoje esse moleque tá com o nome subindo na maior academia de entretenimento mundial”, apontou João Vitor.
Futuro
Hoje em dia, o jovem mora no centro de São Paulo e as produções audiovisuais não param de vir. Na prática, João Vitor é responsável pela movimentação de câmera, garantindo que uma cena de uma atriz nadando, por exemplo — como Fernanda Montenegro o faz no Ainda Estou aqui –, saia perfeita.
Atualmente, o cineasta tem gostado cada vez mais da função do contrarregra, que é responsável pela marcação da entrada e da saída dos atores em cena e por providenciar o necessário aos cenários. E o próximo projeto já aponta no horizonte, com as filmagens da segunda temporada da série “Cidade de Deus: A Luta Não Para”, da HBO.
O Instituto Querô se orgulha ao ver os resultados de suas capacitações, como afirma Tammy Weiss, coordenadora institucional do grupo. “O projeto Oficinas Querô tem esse propósito de buscar impulsionar os jovens por meio do audiovisual, dando voz às suas histórias e visibilidade aos seus potenciais artísticos. E o João é fruto disso. Ele sempre demonstrou muito potencial na área técnica, e ficamos muito felizes de ver o caminho que ele trilhou”, disse.
O jovem acredita que sua conquista é uma quebra de estereótipo. “Existe um movimento muito grande dentro do cinema de pessoas periféricas apoiando pessoas periféricas, de furar a bolha. E eu vejo que, de certa forma, é bom ter histórias como a minha pra os jovens se inspirarem e verem que não é só dentro dos padrões, das regras que nos impõem, que a gente precisa conviver. Existem outras possibilidades. Não é meritocracia, mas é olhar o copo meio cheio, olhar de uma forma diferente”, refletiu João Vitor.