Com a aproximação da COP30, a Conferência do Clima que será realizada em Belém do Pará em novembro deste ano, o cenário global das negociações climáticas apresenta desafios sem precedentes — e urgentes para a economia global.
Além dos eventos climáticos cada vez mais extremos e constantes, o contexto geopolítico atual é bastante diferente daquele de dois anos atrás, quando o Brasil se candidatou para sediar a COP30 — agravado, principalmente, pela influência do governo de Donald Trump em relação à agenda climática.
“Quando o cenário multilateral envolve guerras tarifárias ou de armas, os atores que deveriam estar concentrados em criar uma agenda positiva para o clima são os mesmos que estão focados em lançar bombas ou taxas”, diz Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, uma rede brasileira de articulação da sociedade civil sobre mudanças climáticas fundada em 2002.
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Segundo ele, nesse ambiente de incertezas, a diplomacia brasileira, reconhecida por sua experiência, tem a missão de conduzir negociações complexas em meio à “névoa climática global”.
Em entrevista exclusiva ao Seu Dinheiro, Astrini analisa as perspectivas para a COP30, o impacto das mudanças climáticas em setores econômicos estratégicos, os novos movimentos no mercado de carbono e o crescimento da litigância climática.
Ele também destaca a ausência de liderança política no Brasil em torno da agenda ambiental e os desafios para sensibilizar a população em um contexto de prioridades imediatas de sobrevivência.
O impacto do governo Trump na agenda climática
Astrini enfatiza que a COP é uma reunião estatal, a maior da Organização das Nações Unidas (ONU) em volume e participação de países, com cobertura de imprensa cada vez maior devido à popularização do tema.
E nesse tipo de encontro, o ambiente influencia bastante as negociações: quanto mais favorável o cenário geopolítico internacional, mais positivo é o ambiente para se estabelecer acordos.
Além disso, ele ressalta que a agenda de clima necessita de predisposição para acordar transformações que os países decidem impor. Nesse sentido, é preciso um ambiente colaborativo.
No entanto, segundo Astrini, o ambiente internacional atual para o avanço da agenda climática é extremamente desfavorável. Conflitos armados, guerras tarifárias e, especialmente, a postura do governo dos Estados Unidos fragilizam o multilateralismo necessário para acordos climáticos.
“Se o governo Trump não atrapalhar, já é lucro. Melhor que não venham para a COP30”, diz Astrini.
Ele explica que os Estados Unidos, maior poluidor histórico e um dos principais financiadores de soluções climáticas, estão se ausentando das negociações e ativamente sabotando avanços.
“Eles [os EUA] estão destruindo programas essenciais como o Noaa [Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, na sigla em inglês], um dos principais centros de monitoramento das mudanças climáticas. Isso significa menos dados e pesquisas científicas para tomada de decisão”, alerta Astrini.
Segundo informações da imprensa internacional, o Noaa enfrenta um caos interno, com demissões e recontratações de funcionários, cortes em operações de previsão do tempo e problemas de segurança digital. A crise é impulsionada pelo plano de Trump de reduzir o funcionalismo público federal, já resultando na saída de cerca de 20% da força de trabalho da agência.
Astrini destaca ainda que o posicionamento dos EUA em relação ao combate às mudanças climáticas impacta também projetos específicos, como o financiamento ao Fundo Amazônia e programas de agricultura regenerativa, que correm risco de esvaziamento.
Em fevereiro, Trump fechou a Usaid, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, que previa a transferência de US$ 16,2 milhões (aproximadamente R$ 93 milhões) para projetos de conservação na Amazônia.
Expectativas para a COP30: um Brasil experiente em meio a uma densa neblina
Apesar do contexto adverso, Astrini vê uma oportunidade única na COP30: “O Brasil tem condições diplomáticas de conduzir a conferência de forma segura e efetiva”.
Ele compara o cenário atual a uma navegação em meio a um cenário de baixa visão: “Quando a gente entra em uma área de neblina densa, precisamos de um condutor experiente e seguro. E o Brasil, historicamente, é um bom navegador nesses contextos”.
No entanto, ele enfatiza que o Brasil precisará demonstrar ambição para avançar na agenda climática na COP30 em pontos essenciais, apesar do contexto desfavorável.
Segundo Astrini, entre os temas que devem ganhar destaque na conferência estão:
- Adaptação climática: “A adaptação tem um limite. Se o oceano subir 3 metros, não há adaptação possível para países como Holanda ou para nações insulares. Esse será um tema corrente na conferência: a criação de um fundo internacional, por exemplo, para dar assistência à agenda de adaptação”, alerta Astrini.
- Financiamento climático: na última conferência, em Baku, essa agenda saiu “machucada”, mas é possível retomá-la, com a ampliação do compromisso dos países desenvolvidos em destinar US$ 1,3 trilhão por ano — valor necessário para ajudar as nações mais pobres a enfrentar os efeitos da crise climática, segundo especialistas da ONU.
- Transição energética: Astrini defende que o Brasil lidere a proposta de estabelecer uma timeline global para a redução de combustíveis fósseis: “Não se trata de abandonar sozinho, mas de construir um pacto global justo”. Ele também critica a atual narrativa brasileira que justifica a exploração de petróleo na margem equatorial: “O Brasil já gera energia limpa sem precisar do dinheiro do petróleo”.
Astrini considera que, caso a conferência em Belém consiga avançar nessas três agendas, será um resultado muito positivo dentro de uma perspectiva realista sobre o real poder de transformação de uma COP.
“Há um desequilíbrio gigantesco entre o que acontece no clima, o que a ciência diz sobre o que deve ser feito e o que uma COP consegue produzir. Esse último ponto está sempre muito aquém dos alertas da ciência e da evolução do clima na realidade”, afirma.
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O que investidores individuais precisam observar
As mudanças climáticas vão impactar diretamente setores estratégicos da economia, alerta Astrini. Investidores precisam incluir a variável climática em suas análises de risco, principalmente em investimentos de médio e longo prazo.
Ele menciona a indústria de seguros e resseguros para ilustrar como os impactos das mudanças climáticas já estão afetando diretamente setores econômicos tradicionais — e como isso gera efeitos em cascata, inclusive sobre investimentos e estabilidade financeira.
“Hoje já tem uma crise no sistema de seguros e resseguros dos Estados Unidos. As seguradoras estão saindo de lugares como a Califórnia e a Flórida porque não conseguem mais precificar o risco. A frequência e intensidade dos eventos extremos climáticos tornaram a operação inviável”, afirma Astrini.
Ele cita ainda outros três setores bastante sensíveis às mudanças climáticas e que devem ser objeto de atenção de investidores:
- Agropecuária: “A quebra de safra no Rio Grande do Sul é um alerta. Tivemos perdas bilionárias por seca e enchente em apenas três anos”.
- Energia: “A geração e transmissão de energia estão extremamente vulneráveis à variabilidade climática”.
- Habitação e infraestrutura: Além dos custos de seguros, eventos extremos aumentam a pressão sobre os orçamentos públicos e reduzem a capacidade de investimento em novas obras.
Astrini ressalta que a crise climática é exponencial: “Ela não é uma onda que sobe e desce. Ela se acumula, aumentando o impacto econômico e social com o tempo”.
Segundo o secretário, o mercado de carbono tende a crescer, mas ainda enfrenta problemas de qualidade e confiabilidade dos créditos. Ele cita o recente acordo da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), que estabelece metas de descarbonização e um sistema de comércio de emissões, como exemplo de regulação setorial que deve impulsionar esse mercado.
Astrini menciona também o crescimento da litigância climática, processos jurídicos movidos contra empresas e governos que visam impor a conformidade aos esforços de mitigação de riscos e adaptação às mudanças climáticas.
“Hoje juízes já reconhecem o dano climático como passível de multa, o que amplia a pressão sobre empresas e governos”, afirma.
De acordo com estudo realizado pelo Centro para Direitos Humanos e Justiça Global, da New York University (NYU), até o ano de 2015 havia apenas 19 casos climáticos baseados em direitos humanos registrados no mundo todo. Entre 2015 e fevereiro de 2023, esse número saltou para 2.740 litígios climáticos, em sua maioria nos Estados Unidos e na Europa.
No Brasil, o número de litígios climáticos cresceu mais de 1.200% entre 2015 e 2024, segundo informações da Plataforma de Litigância Climática no Brasil, base de dados da PUC-RJ que reúne informações sobre litígios climáticos nos tribunais brasileiros.
“Investir sem considerar o fator climático é ignorar um dos principais determinantes das próximas décadas”, diz Astrini.
Varejo sente a pressão do consumidor, mas sobrevivência ainda é barreira para agenda climática
Outro ponto destacado por Astrini é o movimento de setores do varejo, que estão se adaptando às demandas climáticas dos consumidores.
“Empresas como Leroy Merlin, Casas Bahia e Pernambucanas estão implementando desde medidas de redução de plástico até rastreabilidade da cadeia de fornecedores”, afirma.
Para o secretário, essa mudança é impulsionada pelo público-alvo dessas empresas, que é composto de pessoas que possuem certo poder aquisitivo e sentem diretamente os efeitos das mudanças climáticas, como enchentes e eventos extremos.
“O aumento do preço do café por quebras de safra, ou a destruição de imóveis em áreas de risco, são fatores que entraram na vida real das pessoas. Isso pressiona empresas a se posicionarem. Ainda não é uma demanda muito decisiva, mas que já entrou na pauta das corporações”, diz.
Astrini chama a atenção para outro desafio relevante: a agenda climática ainda não está entre as prioridades de sobrevivência da maioria da população brasileira.
“As pessoas estão preocupadas com emprego, fome e violência. Quando a luta é por sobrevivência imediata, é muito difícil priorizar questões de médio e longo prazo como o clima”, explica.
Essa realidade também se reflete no sistema político: “Não temos hoje no Congresso Nacional um parlamentar sequer eleito prioritariamente com uma agenda ambiental ou climática”, afirma.
Segundo Astrini, na Alemanha, os “verdes” representam cerca de 20% do Parlamento porque lá as necessidades básicas já foram resolvidas, permitindo avanço em pautas estratégicas como o meio ambiente.
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