São Paulo — O caso do juiz aposentado José Eduardo Franco dos Reis, acusado de utilizar uma identidade falsa durante 45 anos, ganhou repercussão internacional nessa segunda-feira (7/4). O jornal britânico The Guardian contou a história do magistrado brasileiro como uma “farsa bem elaborada”.
O texto questiona como o “juiz conseguiu sustentar uma farsa tão elaborada por tanto tempo, especialmente com um nome tão incomum”. Segundo denúncia do Ministério Público de São Paulo (MPSP), José Eduardo teria usado documentos falsos em nome de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield desde a década de 1980.
Com o título “Juiz brasileiro alegou ascendência inglesa e usou nome falso”, a notícia afirma que o magistrado trocou um nome “bastante típico em um país colonizado por Portugal”, por uma “identidade nitidamente britânica”.
No artigo, o veículo ainda reforça a ideia de que os nomes britânicos incorporados pelo juiz parecem inspirados na literatura – como Lancelot, da Távola Redonda, ou o Sr. Wickfield, o advogado de David Copperfield, de Charles Dickens.
A farsa de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield
- Com a identidade falsa, José Eduardo Franco dos Reis se matriculou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e, em 1995, passou em um concurso para juiz.
- Em entrevista sobre a aprovação para o cargo naquela ocasião, ele, já atendendo como Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, afirmou ser descendente de nobres britânicos. Seu avô teria sido um juiz no Reino Unido, dizia.
- O acusado também conseguiu tirar habilitação e comprou um carro usando o nome de Edward.
- Como juiz, trabalhou até se aposentar em 2018. Em fevereiro deste ano, ele ganhou, como vencimentos brutos, o valor de R$ 166 mil. O valor líquido ficou em R$ 143 mil.
- Apesar da identidade falsa, a investigação cita que José Eduardo também manteve sua identidade verdadeira em uso e chegou a pegar segunda via do Registro Geral (RG) verdadeiro em 1993. Na ocasião, ele disse que trabalhava no centro da capital paulista como vendedor.
Como surgiu a suspeita?
Segundo a denúncia do MPSP, oferecida à Justiça em 27 de fevereiro, no dia 3 de outubro de 2024, José Eduardo compareceu ao Poupatempo Sé para solicitar a segunda via do RG, afirmando ser Edward Albert. Na ocasião, ele apresentou uma certidão de nascimento falsificada com o nome de origem inglesa.
O Poupatempo colheu, então, as impressões digitais do suposto Edward para fazer a nova via do RG. Quando as digitais entraram nos sistemas de identificação automatizados, no entanto, o computador apontou que elas pertenciam, na verdade, a um homem chamado José Eduardo Franco dos Reis.
Por causa das inconsistências, a Polícia Civil abriu uma investigação contra o suspeito, que terminou apontando uma duplicidade de registros. José Eduardo tinha conseguido não apenas fazer um documento de identidade em nome de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, como também tinha título de eleitor, CPF e passaporte com a identidade falsa, de acordo com a denúncia.
Quem é o juiz José Eduardo?
Nascido em Águas da Prata, no interior paulista, José Eduardo tem 67 anos e afirmou à polícia ser um artesão. Segundo a investigação, ele é filho de pais brasileiros. O MPSP afirma que o homem criou um personagem fictício, Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, em 1980.
Em 19 de setembro daquele ano, o paulista foi ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD) e afirmou ser filho de Richard Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield e de Anne Marie Dubois Vicent Wickfield para conseguir uma identidade.

A denúncia diz que ele apresentou cópias falsas de um certificado de dispensa do Exército, uma carteira de servidor do Ministério Público do Trabalho e uma carteira de trabalho, além de um título de eleitor com o nome de Edward, para conseguir a identidade. O MPSP afirma que, naquela época, o IIRGD ainda não estava aparelhado para identificar a fraude.