O jogo só acaba quando termina — e quando o assunto é inflação, esse ditado do esporte vale ainda mais. Nesta quarta-feira (12), o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos EUA derrubou as bolsas lá fora e aqui, fez o dólar disparar e mostrou que a partida do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) não está ganha.
Desde que o BC dos EUA realizou a maior sequência de aperto monetário em décadas, a inflação vem desacelerando do pico de dois dígitos para números mais próximos da meta de 2% ao ano.
Só que desde o final do ano passado, dados mostram uma estagnação no processo de combate à inflação por lá — e o CPI de janeiro só reforçou essa tendência de reaquecimento dos preços.
No mês passado, o índice de preços ao consumidor norte-americano saltou 0,5% em base mensal, colocando a taxa de inflação anual em 3%. Os números estão acima das respectivas estimativas da Dow Jones de 0,3% e 2,9%.
O núcleo do CPI, que exclui os preços voláteis de alimentos e energia, subiu 0,4% no mês e 3,3% nos últimos 12 meses, ambos também acima do esperado.
A reação dos mercados ao dado — que não é o preferido do Fed para medir a inflação, mas também é acompanhado de perto — não foi das melhores.
Uma ampla liquidação ocorreu após a divulgação do CPI com o Dow Jones recuando 400 pontos e a maior parte componentes do S&P 500 e do Nasdaq operando com 1% de queda.
A maioria das ações de tecnologia de mega capitalização, incluindo Amazon, Microsoft e Alphabet, recuaram. Os papéis de empresas do setor de consumo também passaram a operar no vermelho a exemplo da Home Depot, junto com ações de bancos que podem ser prejudicadas se a economia desacelerar sob o peso de juros muito altos.
No mercado de dívida, o yield (rendimento) dos títulos do Tesouro norte-americano de 10 anos, uma referência para hipotecas e outros empréstimos, saltou para além de 4,6% após o CPI.
Por aqui, o impacto da aceleração da inflação nos EUA também foi sentido. O Ibovespa passou a cair mais de 1%, negociando na casa dos 124 mil pontos, enquanto o dólar no mercado à vista renovou máxima intradia ao tocar R$ 5,7873.
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Inflação acelerando, juros em alta
A reação do mercado tem um motivo: a aceleração da inflação reduz ainda mais as chances de cortes de juros nos EUA este ano — que já eram poucas.
Em dezembro, o comitê de política monetária (Fomc, na sigla em inglês) apresentou as atualizações das projeções econômicas e reduziu de quatro para duas as probabilidades de diminuição da taxa referencial em 2025.
Em janeiro, o Fomc manteve os juros na faixa entre 4,25% e 4,50% ao ano e, desde então, o presidente do Fed, Jerome Powell, vem reafirmando que o banco central norte-americano não tem pressa para fazer ajustes na política monetária.
Falando ontem na primeira das duas aparições semestrais no Congresso, Powell voltou a repetir a mensagem aos senadores. Hoje, ele está na Câmara e voltou a dar o mesmo recado aos investidores.
Imediatamente após a participação de Powell no Senado, os investidores adiaram as chances de corte de juros nos EUA neste ano de junho para julho. Depois dos dados de inflação de hoje, a probabilidade do primeiro corte foi postergada para setembro.
A ferramenta FedWatch do CME Group mostrava chance estimada de corte de 55,1% em setembro — primeiro mês em que a probabilidade supera 50%.
O cenário mais provável para setembro continua sendo de redução de 0,25 ponto porcentual (40,5%), enquanto as apostas para afrouxamento de 0,50 ponto porcentual baixaram consideravelmente, de 23,1% antes da divulgação do CPI para 12,8% após o dado. A chance de manutenção dos juros, entretanto, cresceu de 28,2% para 44,9%.
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O que pensam os especialistas sobre a inflação e os juros nos EUA
Se o mercado adiou para setembro a probabilidade de corte de juros nos EUA este ano, os especialistas estão ainda mais céticos sobre a continuidade do afrouxamento monetário pelo Fed.
Para a Capital Economics, a inflação tem oscilado nos mesmos níveis por algum tempo e claramente não está mais em trajetória firme de queda.
Neste cenário, a consultoria britânica diz que o corte único de 0,25 pp neste ano precificado pelo mercado é dovish demais, isto é, uma visão demasiadamente favorável ao afrouxamento monetário.
“O Fed deixará os juros inalterados pelo menos nos próximos 12 meses”, diz a Capital Economics, descartando qualquer chance de corte de juros em 2025.
Em nota a clientes, o banco canadense CIBC diz que o dado de inflação de janeiro legitima a postura do Federal Reserve de manter os juros inalterados até ver uma desaceleração nos preços.
Já André Valério, economista do Inter, vê chance de corte de juros nos EUA no segundo semestre, provavelmente em setembro.
“A retomada dos cortes antes disso dependerá de uma piora substancial do mercado de trabalho, que, como o payroll indicou na última sexta, não parece estar no horizonte”, diz.
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Ainda tem o Trump…
O presidente dos EUA, Donald Trump, não concorda nem com o mercado, nem com Powell e muito menos com os especialistas.
O republicano reagiu à aceleração do índice de preços ao consumidor de janeiro em publicação na Truth Social.
“Inflação do Biden acelera!”, escreveu ele, sugerindo que o aumento de preços segue como efeito da gestão passada, do ex-presidente democrata Joe Biden.
Trump, que tomou posse em 20 de janeiro, vem adotando uma série de medidas que podem ajudar a alimentar a inflação nos EUA — tarifas comerciais, endurecimento das regras de imigração e isenção de impostos.
Muitos especialistas dizem que a pausa que o Fed vem fazendo no corte de juros tem relação com os efeitos que essas medidas devem ter sobre a economia norte-americana.
Em dezembro, embora não tenha citado Trump nominalmente, o Fomc dizia que as mudanças na política em Washington poderiam afetar o ritmo do afrouxamento monetário no país.
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