Ney Matogrosso começou a carreira na música no início dos anos 1970. No período, ainda vigorava a censura prévia, que barrava produções artísticas que representassem uma ameaça ao regime militar da época ou que atentassem contra a moral.
De acordo com Ney Matogrosso — A Biografia, assinado por Julio Maria, o cantor teve três canções vetadas pelo Departamento de Censura, todas para o segundo disco do Secos & Molhados, lançado em 1974. Uma delas é intitulada Tristeza Militar.
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João Ricardo, integrante do grupo e responsável pela letra, não usou subterfúgio poético para expressar o descontentamento com o realidade política daqueles anos. “Não há mais hora H/ Ou medo de gritar/ Tristeza Militar”, dizia um trecho da canção.
Já Tem Gente com Fome era um poema musicado de Solano Trindade (1908-1974), criador da Frente Negra Pernambucana, do Centro de Cultura Afro-Brasileira e do Comitê Democrático Afro-Brasileiro, entidades que não agradavam aos militares no poder. Trindade também foi criador do Teatro Experimental Negro e passou os últimos anos de vida sob a vigilância dos agentes da inteligência da ditadura.
O terceiro caso é um exemplo de como os artistas também dependiam de qual técnico da ditadura avaliaria a obra enviada ao departamento. Esses agentes eram treinados pela lógica militar, mas cada um trazia a própria sensibilidade e bagagem cultural na hora da análise de textos artísticos.
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Ney Matogrosso
Mauricio Santana/Getty Images2 de 4
Ney Matogrosso na juventude
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Ney Matogrosso durante o serviço militar
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Jesuíta Barbosa e Ney Matogrosso
@homemcomh/Instagram/Reprodução
A música Pasárgada era sobre o poema Vou-me Embora para Pasárgada, que Manoel Bandeira publicou em 1930.
“Em Pasárgada tem tudo/ É outra civilização/ Tem um processo seguro/ De impedir a concepção/ Tem telefone automático/ Tem alcaloide à vontade/ Tem prostitutas bonitas/ Para a gente namorar”, diz um trecho do poema.
Segundo a biografia, o problema não foi a menção às prostitutas ou à liberdade irrestrita nesse lugar fictício chamado Pasárgada, mas o “alcaloide à vontade”, que foi interpretado como algo semelhante a um entorpecente.
Interpretação dos censores
O curioso é que, em 1974, mesmo ano em que as três músicas foram reprovadas pelo Departamento de Censura, o pedido feito pelo ator Leonardo Alves para reproduzir o mesmo poema de Bandeira em uma peça foi aprovado pelo órgão.
Apenas uma cena da peça Uni-Verso precisou ser alterada pelo censor que assistiu a um ensaio da montagem. “Não permitimos o beijo boca a boca”, disse o agente.