Enquanto o design externo dos carros muitas dividem opiniões e geram polêmicas, os interiores costumam ser mais convergentes tanto no estilo como nas escolhas dos materiais.
Mesmo que tenha seu apelo estético, o habitáculo é funcional. Ele é projetado para acomodar o motorista e os passageiros de forma confortável e segura, facilitando a interação com os controles do veículo.
A variedade de materiais é grande, com o objetivo de equilibrar conforto, durabilidade, tato e custo-benefício, o que tende a levar a soluções semelhantes entre os diferentes fabricantes. O que entra em jogo, crucialmente, é a qualidade percebida

Atualmente, há uma forte preferência por texturas agradáveis ao toque. Plásticos macios (também chamados de soft-touch), tecidos de boa trama, couros genuínos ou materiais sintéticos de alta qualidade estão presentes nos veículos premium.
Outra exigência do mercado é que os revestimentos internos precisam resistir ao uso diário, à exposição ao sol e ao atrito. Isso impulsiona a escolha por materiais robustos e fáceis de limpar.
Enquanto texturas e cores variam, a qualidade do acabamento (ausência de rebarbas, encaixes perfeitos, costuras bem-feitas) é um indicador universal de um interior bem construído, ou seja, um acabamento premium.
Mais recentemente, o uso de materiais reciclados ou de origem ética ganham terreno e são geralmente vistos de forma positiva, embora nem sempre seja percebido.
Consumidor brasileiro é mais conservador
Pesquisas de mercado da Nissan no país revelam um perfil de consumidor bastante preocupado com a revenda do carro. O conceito de “premium” no Brasil está ligado à temporalidade, ou seja, a itens que manterão um bom valor de mercado daqui a três ou quatro anos.
Ninguém quer um carro datado, afinal.
Isso influencia, portanto, a preferência por cores e acabamentos que não saiam de moda rapidamente, como o cinza e o preto, o que facilita a revenda.
Para Aline Nakagawa de Oliveira, designer líder de Cores, Materiais e Acabamentos (CMF) da Nissan do Brasil, o design automotivo atual é centrado no usuário. “Temos uma análise muito direta do consumidor”, afirma.
A tecnologia é um requisito universal, mas o conforto, a acústica e o toque dos materiais são igualmente valorizados. A Nissan, particularmente, tem bancos com a tecnologia “gravidade zero”, projetados para dar suporte contínuo para a pelve e costas, e distribui o peso de forma mais uniforme. Isso ajuda a reduzir a tensão muscular e a fadiga em viagens longas, tornando a experiência mais confortável.

Há ainda uma preocupação em evitar que tendências internacionais se sobreponham às necessidades do consumidor local. Aline considera essa como a abordagem mais relevante para o direcionamento das escolhas de design em um mercado nacional altamente competitivo.
Inicialmente, modernidade e sustentabilidade
Como uma extensão da casa, o interior dos carros precisa estar alinhado às expectativas em termos de conforto e escolha de materiais. Por isso ganham a atenção das montadoras e de suas equipes quando projetam um carro.
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Telma Blasquez, gerente de CMF (sigla de Cores, Materiais e Acabamentos) na Volkswagen do Brasil, é uma das responsáveis dentro do time de design pelo interior do novo VW Tera. Durante o lançamento do SUV compacto, ela nos contou sobre as tendências dos interiores dos veículos.

“Exploramos todas as iniciativas que vemos em produtos de casa, por exemplo, e ampliamos isso para o ambiente automotivo. A questão é que o automotivo tem que ser muito mais durável do que um sofá da sua casa”, conta Telma.
Sustentável na prática
Atualmente, os materiais utilizados nos interiores dos carros estão cada vez mais modernos e sustentáveis. Telma cita entre as inovações o PVC sustentável, produzido com a reutilização de borracha de solados de tênis, que é moída e reintegrada na produção de revestimentos para bancos, painéis e portas de carros.

O couro tradicional está sendo gradualmente substituído por materiais ecológicos que oferecem sensações táteis semelhantes, com misturas que incluem tecnologias à base de silicone e tecidos sintéticos e que proporcionam conforto e durabilidade.
A alcântara, material sintético de textura aveludada e semelhante ao suede, está sendo mais usada em carros premium, devido ao seu conforto tátil e ao aspecto estético.

A busca por texturas mais naturais e sensorialmente agradáveis está em alta, com foco em tornar os materiais tanto visualmente atraentes quanto agradáveis ao toque.
E há, claro, um crescente esforço para garantir que os materiais usados sejam recicláveis e sustentáveis, aumentando a consciência ambiental nas escolhas de produção.
Para Telma, o futuro dos materiais automotivos parece estar igualmente alinhado com a sustentabilidade e a reciclabilidade. A expectativa é pelo desenvolvimento de produtos projetados para serem reaproveitados ao final de seu ciclo de vida.
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O desafio da sustentabilidade
Na prática, o que se vê é a sustentabilidade como pauta crescente no desenvolvimento de materiais. A Nissan, por exemplo, usa PVC reciclado de esquadrias de janelas demolidas na injeção de painéis e incorpora resíduos da indústria calçadista (EBAs) na produção de materiais para bancos. Um avanço significativo é o desenvolvimento de tecidos que utilizam 88% de garrafas PET na construção, oferecendo um toque super premium e potencial para substituir o couro.
No entanto, o grande gargalo é a comunicação desse valor ao cliente final. “Como que eu comunico esse material para o público? É só uma etiqueta? Será que basta?”, questiona Aline.
A dificuldade é que visualmente o material reciclado não apresenta uma diferença para o consumidor. Aline cita o exemplo do uso de tecidos de fios PET que são mais caros sem um retorno perceptível. “O desafio da indústria é fazer com que o seu produto fale por si só sobre sua sustentabilidade, transformando-a em uma demanda do próprio cliente”, avalia a designer.

Acredita-se que essa tendência tomará um novo impulso no Brasil nos próximos anos por dois motivos. De um lado, há a nova geração de motoristas mais conscientes em sustentabilidade. De outro, um programa do governo federal, chamado Mover, vai exigir que os futuros carros tenham um alto índice de reciclabilidade – a partir de 80% e chegará a 95% de obrigatoriedade de matérias recicláveis até o fim desta década.
A cor do ano e o toque da vez
O design de interiores automotivos é se baseia em tendências sensoriais e tecnológicas, com foco na experiência do usuário. Aline, da Nissan, destaca como a indústria está inovando nestes aspectos, mas também com foco no consumidor brasileiro, que busca conforto, tecnologia e valor de revenda.

Quando a ideia é explorar o acabamento externo premium para o veículo, Aline diz que as tintas opacas se consolidam como uma forte tendência. “Essas tintas de longe parecem sólidas, mas de perto revelam um brilho e são um sucesso de vendas. É a nossa menina dos olhos e traz um caráter de premium”, afirma. A exemplo do “cinza durepox”, visto na Frontier, opção que é frequentemente associada aos modelos topo de linha.
Para os acabamentos internos, a indústria automotiva tem olhado para além do tradicional. O cromo, antes símbolo de requinte, está sendo gradualmente substituído. “Hoje, na Europa, já tem alguns países que proíbem o uso das peças cromadas no interior”, explica Aline..
A alternativa são as pinturas metalizadas, que embora não atinjam o brilho espelhado do cromo, poluem menos e oferecem um aspecto similar.

A inovação também aparece na substituição de painéis inteiramente de plástico por soluções que ofereçam um toque mais agradável. “Hoje temos tintas que dão esse aspecto macio”, revela a designer. As pinturas especiais criam, assim, uma sensação de que é um revestimento, até mesmo simulando a textura do couro com um toque aveludado.
A busca é por enriquecer a experiência sensorial nos veículos.
“Isso tende a crescer. O perfil do cliente brasileiro é bem exigente desde os carros de entrada, então ampliar a questão sensorial em todas as esferas, seja visual, seja tátil, inclusive auditivo, e trazer conforto acústico”, explica Telma Blasquez, da Volks.
Luxo no tato, luxo no olfato
A integração de elementos digitais, como superfícies de toque mais limpas e reflexivas (“black piano”), está crescendo, refletindo uma estética mais moderna e digital. A expectativa é que essas tecnologias sejam não apenas visuais, mas também funcionais.

Existe ainda o potencial de explorar o olfato em automóveis, pensando em fragrâncias que melhoram a experiência de estar dentro do veículo, como o desejo por um “cheiro de carro novo”, por exemplo. “A gente mexe muito com todos os sentidos”, finaliza Telma.
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