O responsável pela administração da recuperação judicial da AgroGalaxy, uma das maiores da história do país, é, também, advogado de defesa da Fazenda Ribeirão Bonito, em Novo Repartimento, no Pará. A propriedade tem histórico de trabalho escravo e suspeita de “dono laranja” para blindar patrimônio.
Como mostrou o Metrópoles, a Fazenda Ribeirão Bonito, assim como a AgroGalaxy, pediu recuperação judicial. Mas o processo que deveria ser público, com a convocação de credores e a publicação de atas, corre em segredo de Justiça há mais de um ano. A situação excepcional não foi justificada.
O pouco que se sabe sobre a recuperação aponta para possíveis fraudes. Isso porque a dívida apontada foi de R$ 80 milhões com 15 credores, entre eles bancos e produtores rurais. Um deles, identificado como Elias Feitosa de Souza, credor de R$ 2,7 milhões, consta como beneficiário do Bolsa Família.
O passivo da AgroGalaxy é bem maior: R$ 4,67 bilhões. A companhia, uma rede de mais de 100 lojas de insumos para o produtor rural, deve, principalmente, bancos, como o Banco do Brasil, o Santander e o Citibank.
O posto de administrador judicial da recuperação da AgroGalaxy era um dos mais disputados por advogados da área no país. Cabe a ele o papel de mediador do processo, de cuidar da relação da empresa devedora tanto com os credores quanto com a Justiça.
Quem assumiu a posição foi o advogado Aluizio Geraldo Craveiro Ramos. Especialista no assunto, ele é, também, advogado de defesa da Fazenda Ribeirão Bonito e do seu dono declarado, Carlos Roberto Alves Filho.
Acidente de carro e salário mínimo
Como mostrou o Metrópoles, os questionamentos sobre quem seria o dono da Fazenda Ribeirão Bonito começaram quando a propriedade foi palco de um resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão, em 2015.
Após resgatarem os trabalhadores que viviam em um barracão pelo qual transitavam aranhas e morcegos, bebiam a mesma água dos cavalos e faziam as necessidades no mato, auditores e policiais federais saíram perguntando pelo dono da fazenda. A primeira pessoa apontada foi um funcionário da propriedade.
Depois, conforme registro da Polícia Federal (PF), o contador Deusval de Barros Brito Filho reconheceu que o homem apontado era funcionário e recebia um salário mínimo. Nos autos também ficou registrado o nome de quem seria o verdadeiro dono: Guimar Alves.
No entanto, menos de um ano depois, o quadro social da fazenda foi alterado. Assumiu, em 2016, como dono, Carlos Roberto Alves Filho.
Em 2020, Carlos se envolveu em um acidente de carro na Avenida Independência, em Goiânia (GO). Ao relatar o acidente, Carlos disse que era, na verdade, funcionário de uma empresa que fabrica embalagens.
O veículo era uma HB20, de propriedade da Piloto Embalagens. Carlos afirmou que dirigia o carro a trabalho. Depois, requereu o benefício de gratuidade judiciária por receber salário de apenas R$ 1.122,82.
Em 2024, oficiais de justiça foram em busca de Carlos na empresa e ouviram do supervisor de recursos humanos que ele era prestador de serviços da companhia. Ele também aparece vestindo uniforme da Piloto Embalagens e touca de proteção em foto postada nas redes sociais.
Patrimônio blindado
O nome de quem estaria por trás dos “laranjas” é Guimar Alves. Ele responde a mais de uma dezena de processos por dívidas que chegam a R$ 87 milhões. Em nome dele, só há empresas antigas com registros cancelados. A Justiça, quando procura bens e contas bancárias para satisfazer dívidas, não encontra nada.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dois pesos pesados da indústria o acusam de realizar calotes milionários. Parte desses credores ainda afirma que ele comete essas fraudes para se esquivar de dívidas e manter o alto padrão de vida.
Segundo essas empresas, suas joias da coroa estão em nome de funcionários e parentes. As dívidas se arrastam por anos e, em meio a bloqueios frustrados, o empresário pede a prescrição das cobranças. O processo mais recente diz respeito a R$ 15 milhões.
Trata-se de uma ação da Polo Indústria, do ramo de material plástico, referente a uma dívida da Plasticom, uma das empresas do império de Guimar. A dívida de R$ 1,5 milhão, datada de 2005, não foi paga até hoje. Em 18 anos, o valor cresceu 10 vezes.
Outro lado
Por meio de nota, o escritório Aluizio Ramos Advogados Associados afirmou que “tanto os casos do Grupo Ribeirão Bonito quanto no do Grupo AgroGalaxy, ambos iniciaram com tramitação em segredo de Justiça, sendo que um dos juízos optou por mantê-lo em segredo e outro não”. O texto destaca que cabe à Justiça definir se mantém a restrição.
“O que podemos esclarecer é que não vislumbramos na manutenção do segredo de Justiça, opção daquela serventia, em quaisquer prejuízos aos credores, uma vez que todos os interessados no feito têm se habilitado no processo e tido acesso integral aos autos. Além do mais, todas as informações são adequadamente publicadas no Diário de Justiça e disponibilizadas pelo administrador judicial”, continua o texto.
A nota ainda reafirma: “deste modo, ratificamos que não há qualquer força decisória deste escritório na manutenção ou não de processos em recuperação judicial em segredo de justiça, opção a qual apenas compete ao juiz que decide os casos.”