Como já era esperado pelo mercado, os fundos imobiliários (FIIs) e fundos de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais (Fiagros) entraram na mira do Leão. Os investidores agora podem ter parte de seus rendimentos abocanhados pela Receita Federal.
Na noite de quarta-feira (11), o governo publicou uma Medida Provisória (MP) e um decreto que tratam sobre as mudanças no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e as propostas alternativas para compensar a perda de arrecadação. Estas incluem uma série de mudanças na tributação de investimentos financeiros.
Segundo o documento, os FIIs e Fiagros estão na lista de investimentos — até então isentos — que podem passar a ser taxados para as pessoas físicas.
Ainda assim, os ativos seguiriam incentivados. Isso porque a alíquota proposta é de 5%, enquanto a renda fixa tradicional e outras aplicações hoje tributadas seguiriam com uma alíquota mais alta, agora unificada em 17,5%.
Segundo Carolina Borges, chefe de análise e especialista em fundos imobiliários da EQI Research, a medida não inviabiliza os investimentos em FIIs e Fiagros. Porém, a analista avalia que “especialmente para o investidor que utiliza os rendimentos como complemento de renda é um impacto negativo”, afirma.
Vale lembrar que as mudanças propostas precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional e convertidas em lei no prazo de até 120 dias para alcançar a validade definitiva. Senão, a MP perde a validade.
Enquanto a medida não é aprovada, os investidores tentam entender os impactos das novas regras tributárias no bolso. Para ajudar você a entender melhor o que pode vir por aí, o Seu Dinheiro conversou com Caio Araújo, analista de fundos imobiliários da Empiricus Research; Carlos Ferrari, sócio da NFA Advogados e especialista em mercado de capitais; e Carolina Borges, especialista em fundos imobiliários da EQI Research.
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Como ficará a tributação dos dividendos de fundos imobiliários e fiagros
De acordo com o documento, há algumas regras para a tributação de 5% nos rendimentos. O imposto recairá apenas sobre os dividendos distribuídos por FIIs e fiagros, segundo as mesmas regras que hoje garantem a isenção desses rendimentos.
Isto é, para se valerem desta alíquota mais “camarada”, os fundos deverão ser negociados em bolsa ou mercado de balcão organizado (fundos cetipados) e ter mais de 100 cotistas.
Além disso, o cotista não pode ser dono de mais de 10% das cotas emitidas pelo fundo ou ter direito de receber mais de 10% dos rendimentos totais do fundo.
A alíquota de 5% também não será válida para cotistas ou conjuntos de cotistas pessoas físicas ligados a titulares de cotas que representem 30% ou mais da totalidade das cotas do fundo, ou cujas cotas lhes deem direito a receber mais de 30% do total dos rendimentos do fundo.
Para os fundos e investidores que não respeitarem essas regras, a tributação dos rendimentos será cheia, à nova alíquota de 17,5%, válida para todas as aplicações financeiras (hoje é de 20%).
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Como ficará a tributação do lucro com a venda de cotas de fundos imobiliários e fiagros
Mas não são apenas os dividendos que podem ter a tributação alterada. A proposta do governo também atinge o imposto de renda cobrado sobre os ganhos líquidos no momento da venda das cotas.
Atualmente, os fundos de investimento são tributados, em geral, por uma tabela regressiva de imposto de renda, que varia de 22,5% até 15%. As alíquotas reduzem conforme o investidor aumenta o tempo do ativo na carteira.
Com as novas regras propostas na MP, essas alíquotas são unificadas em 17,5%. Isso, na prática, acaba com a tabela regressiva.
Os ganhos com a venda de cotas de FIIs e fiagros não eram tributados pela tabela regressiva, mas por uma alíquota única de 20%. Só que agora, eles passarão a ser tributados por essa alíquota de 17,5%, válida para as demais aplicações financeiras. Isso, na prática, representa uma vantagem da MP para esses ativos.
Carlos Ferrari avalia que a diferença nas alíquotas para o segmento imobiliário ocorre devido às diferenças setoriais. “Os FIIs e fiagros são fundos com propósito, então têm que ser tratados dessa maneira”, afirmou ao Seu Dinheiro.
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Não para por aí: governo mexe até nas regras de distribuição de dividendos dos fundos imobiliários e Fiagros
Em 2024, um barulho em relação ao regime de distribuição de rendimentos de fundos imobiliários e fiagros surgiu no mercado com o pagamento de proventos do FII Maxi Renda FII (MXRF11). Agora, a nova MP pode voltar a estremecer as estruturas das distribuições de dividendos desses fundos.
O documento divulgado na noite de ontem indica que os fundos deverão respeitar o limite de lucros apurados segundo o regime de competência. Ou seja, o FII ou Fiagro deverá calcular as distribuições de dividendos segundo o lucro referente ao período ao qual o rendimento se refere, mesmo que o dinheiro ainda não tenha entrado na conta.
Porém, a regra definida em Lei e ratificada pela Comissão de Valores Mobiliários até a publicação do texto era um pouco diferente.
Na época da confusão com o MXRF11, a CVM chamou a atenção do FII por pagar rendimentos aos cotistas com base no regime de caixa. Ou seja, utilizando como base as datas em que o dinheiro efetivamente entrou no fundo.
Porém, segundo a xerife dos mercados na época, o fundo deveria pagar rendimentos de acordo com o resultado contábil. Essa decisão levantou temores de que haveria uma mudança nas regras para a distribuição — o que não foi o caso.
Em meio à confusão em 2024, a autarquia precisou intervir e deixou claro: os FIIs podem apurar a distribuição de rendimentos com base exclusivamente no regime de caixa ou de competência, desde que respeitem, em ambos os casos, o percentual mínimo de 95% do Lucro de Caixa apurado de forma acumulada.
No entanto, a nova MP divulgada ontem exclui a distribuição de rendimentos com base no regime de caixa, permitindo apenas segundo o regime de competência.
Segundo o especialista Carlos Ferrari, o setor imobiliário não possui estruturas para fazer pagamento de proventos com base no regime de competência.
“No segmento, há inadimplências e variação na precificação do mercado. Então, essa mudança geraria um risco para a gestão dos FIIs e fiagros de que haja uma ausência de recursos financeiros para o pagamento das obrigações”, afirmou.
Além disso, o texto da MP não menciona o valor mínimo de distribuição semestral de 95% do Lucro de Caixa dos FIIs e fiagros.
“Se a Medida Provisória for convertida em lei da forma como está hoje, os fundos imobiliários não vão precisar distribuir seus rendimentos todo semestre”, avalia Ferrari.
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Dividindo os ativos imobiliários pela idade
Caso a MP seja convertida em lei, as medidas entram em vigor a partir de 2026. Dessa forma, os rendimentos gerados por cotas emitidas até o fim de 2025 pemanecerão isentos. Também continua valendo a alíquota de 20% sobre os ganhos com a venda de cotas.
Ou seja, se o investidor comprar cotas emitidas até 31 de dezembro de 2025, ele ainda terá isenção de IR sobre os dividendos, mesmo se a operação for realizada depois de 1º de janeiro de 2026.
“O problema é que essa diferenciação pode gerar confusão no mercado. Os investidores precisarão ficar atentos às datas de emissão para avaliar se o preço das cotas vale a pena, considerando a isenção ou tributação em 5% nos ativos”, avalia Ferrari.
Apesar dessa divisão, todos os tipos de FIIs — sejam de papel, tijolo ou Fundos de Fundos (FOFs) — estarão sujeitos às mesmas regras.
“Ou seja, os FIIs de papel ou de tijolo não perdem competitividade isoladamente. Porém é natural que o mercado reavalie expectativas de retorno líquido e ajuste preços no curto prazo”, afirma a analista Carolina Borges ao Seu Dinheiro.
Além disso, a compensação de prejuízos continuará permitida. Prejuízos poderão ser abatidos dos lucros de investimentos que sejam informados na mesma ficha da Declaração de Ajuste Anual.
Isso significa que, aparentemente, será possível compensar prejuízos com a venda de cotas de FIIs e fiagros com lucros na venda ou resgate de outros ativos tributados em 17,5%, como ações, ETFs, derivativos, fundos de investimento e títulos de renda fixa. Ao menos esta foi a interpretação dos advogados tributaristas consultados pelo Seu Dinheiro.
CRIs também deixam de ser isentos… E agora?
Não foram apenas os FIIs e fiagros que entraram no balaio dos investimentos incentivados que perderam a isenção.
Os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), títulos presentes em diversas carteiras de fundos imobiliários e fiagros, também passam a ser tributados em 5%.
Apesar disso, a analista Carolina Borges esclarece que a MP indica que não haverá bitributação. Segundo o documento, os CRIs e CRAs permanecerão isentos quando negociados dentro dos portfólios dos FIIs e fiagros.
Ou seja, o fundo continuará negociando os títulos sem pagar imposto na origem. A tributação ocorrerá apenas na distribuição dos proventos ao cotista.
Além disso, é importante destacar que o texto mantém todas as movimentações dentro das carteiras dos fundos de investimento isentas de imposto de renda.
Vai pesar no bolso de quem?
Com as novas taxas, a pergunta que fica no ar é quem vai pagar essa conta. Segundo os especialistas, a MP vai levar a uma redução no fluxo de caixa mensal dos investidores.
Isso porque, quem hoje recebe R$ 1 mil em proventos passaria a receber R$ 950 a partir de 2026, considerando o imposto de 5%.
Como os rendimentos dos FIIs e fiagros passam a ser menores, para os investidores manterem o mesmo dividend yield (taxa de retorno de dividendos), ele deverá pagar menos pelas cotas adquiridas.
Assim, segundo a avaliação da analista Carolina Borges, o mercado pode observar uma queda de 5% nos preços negociados na bolsa de valores. Seria uma espécie de correção, devido à nova regra.
“O mercado ainda está digerindo as medidas. Essa seria uma possível reação caso a proposta seja aprovada, mas essa redução nos preços não deve ser maior do que a taxa de 5%”, afirmou ao Seu Dinheiro.
Já Caio Araújo, analista de fundos imobiliários da Empiricus Research, enxerga que o mercado já precificou os riscos de tributação, uma vez que as especulações sobre a questão tributária vêm rondando o segmento nos últimos anos. “Qualquer correção próxima de 5% me parece exagerada e pode ser considerada como oportunidade, na ausência de novas informações”, disse.
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