Super Quarta bem que poderia ser um personagem dos quadrinhos, mas é o nome dado pelo mercado financeiro para as decisões sobre juros dos bancos centrais do Brasil e dos EUA quando elas acontecem no mesmo dia, sempre uma quarta-feira.
O conceito em si não é uma novidade para quem tem familiaridade com o Federal Reserve (Fed) e com o Bacen. Mas 2025 traz uma peculiaridade: praticamente todas as decisões sobre juros no Brasil e nos EUA cairão nas mesmas quartas-feiras — com o banco central norte-americano iniciando os trabalhos do dia e o BC brasileiro fechando a noite.
Apenas uma decisão neste ano não será em uma Super Quarta: mais para o fim do ano, o Fed anunciará os novos juros no dia 29 de outubro, e o Bacen, uma semana depois, em 5 novembro.
Hoje temos a primeira Super Quarta de 2025 — e a imaginar o que vem por aí, a missão das autoridades monetárias neste ano é digna de um herói, tanto aqui como lá.
Confira o calendário com as decisões sobre os juros do Fed e do Banco Central do Brasil em 2025:
Decisões do Fed | Decisões do Bacen |
28 e 29 de janeiro | 28 e 29 de janeiro |
18 e 19 de março | 18 e 19 de março |
6 e 7 de maio | 6 e 7 de maio |
17 e 18 de junho | 17 e 18 de junho |
29 e 30 de julho | 29 e 30 de julho |
16 e 17 de setembro | 16 e 17 de setembro |
28 e 29 de outrubro | 4 e 5 de novembro |
9 e 10 de dezembro | 9 e 10 de dezembro |
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Juros: a missão hercúlea do Banco Central do Brasil
A missão do Banco Central do Brasil neste ano é hercúlea: trazer a inflação para o centro da meta em um ambiente de incerteza fiscal, dólar ainda alto e emprego a todo vapor.
E quem estará à frente dessa tarefa é Gabriel Galípolo — o ex-secretário de Política Monetária assumiu neste ano a chefia do BC em substituição a Roberto Campos Neto.
Galípolo já começa o ano com pelo menos duas elevações de juros de 1 ponto percentual (pp) cada contratadas.
Em dezembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a Selic em 1 pp, para 12,25%, e indicou que realizaria mais dois aumentos do mesmo calibre até março de 2025, colocando a taxa em 14,25% ao ano.
Na ocasião, o Copom citou um cenário mais adverso que incluía uma série de fatores que pressionam a inflação, com destaque para a pressão do câmbio, a política fiscal mais frouxa do que a esperada e uma atividade econômica forte.
O Seu Dinheiro detalhou a última decisão do Copom sobre os juros e você pode relembrar os detalhes clicando aqui.
“[Tanto na decisão como na ata] o Copom destaca que os canais de transmissão da política monetária foram obstruídos por um impulso fiscal e de crédito mais forte que o esperado e enfatizou a necessidade de políticas fiscal e monetária harmoniosas”, disse o Goldman Sachs em relatório.
Vale relembrar que o dólar ultrapassou o patamar dos R$ 6 pela primeira vez na história no final de novembro e renovou sucessivos recordes depois disso, até chegar à máxima histórica de R$ 6,30 no dia 19 de dezembro do ano passado.
A escalada da moeda norte-americana — que opera baixo de R$ 6 neste momento — é atribuída principalmente aos ruídos vindos da política fiscal, mais especificamente ao anúncio do pacote de corte de gastos do governo.
O combo de medidas divulgadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no ano passado foi considerado insuficiente para sanar problemas estruturais nas contas públicas e ainda veio com o potencial de reduzir a arrecadação em bilhões, já que incluiu o aumento na faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês.
Não bastasse isso, o governo entra em 2025 com uma pendência importante sobre o quadro fiscal: o impasse com relação às emendas parlamentares.
Por essas e outras, a Capital Economics afirma que o ano não será fácil. Segundo a consultoria britânica, as preocupações com o aumento da dívida pública devem persistir, mas medidas de austeridade pontuais evitarão outro aumento nos rendimentos dos títulos ou uma nova depreciação do real ante o dólar.
As medidas anunciadas no final de 2024, porém, reforçaram a visão de que “não existe vontade política para implementar austeridade, tanto no nível presidencial quanto no Congresso”, diz.
O resultado mais provável, segundo a Capital Economics, é que as autoridades continuem adotando medidas fragmentadas de ajuste fiscal para conter o déficit orçamentário, em vez de apresentar um plano “claro e abrangente” para equilibrar as contas públicas.
Considerando esse cenário, juntamente com a inflação acima da meta, a leitura da consultoria é de que o ciclo de aperto do Copom deve continuar.
A Capital Economics projeta mais dois aumentos seguidos de 1 pp na Selic, conforme indicado pelo forward guidance do último encontro do colegiado, levando os juros a 14,25%. “Isso deixará a política monetária em território muito restritivo, com a taxa Selic real se aproximando de 9%”, diz.
A Warren Investimentos, por sua vez, projeta em seu cenário-base mais duas altas de 0,25 ponto na Selic após as duas de 1 pp já prometidas pelo BC, o que levaria o juro básico a 14,75% em junho.
“Mesmo supondo que permaneça a desancoragem das expectativas, o Copom poderia encerrar o ciclo de aperto monetário sob os argumentos de uma taxa real de juros muito acima da taxa neutra (bastante contracionista) e da necessidade de se aguardar os efeitos defasados da política monetária”, afirma o estrategista-chefe Sérgio Goldenstein.
“Em particular, um arrefecimento acima do esperado da demanda agregada reduziria o grau de desconforto do BC com o cenário de inflação”, acrescenta.
Goldenstein diz ainda que uma trajetória “mais moderada” da taxa Selic dependeria sobretudo de uma percepção “mais benigna” dos agentes econômicos, o que “não parece provável”, dada a baixa disposição do governo em buscar o equilíbrio das contas públicas a partir de medidas estruturais no lado de gastos.
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Fed: uma pedrada nos juros chamada Trump
Se a missão do BC brasileiro é hercúlea, a tarefa do Fed é digna de um personagem da Marvel ou da DC — e os combates já começaram mesmo antes da virada para o novo ano.
Assim como nos quadrinhos, o banco central norte-americano enfrenta um “inimigo” já conhecido — e não estamos falando da inflação fora da meta de 2% ao ano ou do pleno emprego, mas sim de Donald Trump.
Antes mesmo de Trump voltar à Casa Branca, os dois lados entraram em conflito. Durante toda a campanha presidencial, o republicano criticou o trabalho de Jerome Powell e dos Fed boys and girls com os juros nos EUA, revivendo a relação tensa do primeiro mandato de Trump.
Para o segundo mandato, as coisas tendem a continuar quentes. O novo presidente norte-americano traz com ele uma série de medidas com potencial para reacender a inflação nos EUA: tarifas contra México e Canadá; uma política mais dura de imigração e o corte de impostos são apenas algumas delas.
E o Fed já demonstrou que está preocupado com o que vem pela frente. Na ata da última reunião do Fomc, divulgada no início deste mês, o comitê não menciona o nome de Trump, mas deixa claro que “mudanças na política comercial e de imigração” aumentam o risco de aceleração de preços nos EUA.
Não à toa, os membros do comitê reduziram as projeções para os cortes de juros neste ano de quatro para duas, assumindo reduções de 0,25 pp.
James Knightley, economista-chefe internacional do ING, diz que a imposição de tarifas mais seletivas por Trump teriam um efeito menos inflacionário, fornecendo um pouco mais de margem de manobra para o Fed cortar os juros neste ano.
Mas, ainda assim, ele diz que as chances de afrouxamento monetário em 2025 são menores agora do que o projetado anteriormente pelo mercado. Ferramenta FedWatch do CME Group mostra que o primeiro corte de juros deste ano deve acontecer só em junho.
“A combinação de crescimento decente, preocupações elevadas com a inflação e um mercado de trabalho em desaceleração, mas não em colapso, reduzem ainda mais as chances de cortes de juros neste ano”, diz Knightley.
Para a reunião desta quarta-feira (29), James Orlando, diretor e economista-sênior da TD Economics, diz que a chance de pausa nos cortes é grande.
“Embora não pense que os investidores devam descartar completamente um corte de juros agora, com a medida de inflação preferida do Fed presa em 2,8% ao ano e as expectativas de que Trump seguirá com sua estratégia política inflacionária, faz sentido que o Fed seja muito mais cauteloso em 2025”, afirma Orlando.
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