Na visão de Paul Krugman, vencedor do prêmio Nobel de economia, a estrutura da economia global não estava preparada para Donald Trump. Participando do Anbima Summit 2025 nesta quarta-feira (25), ele explica que, até o republicando chegar na Casa Branca, o comércio global sempre funcionou — mesmo que de uma maneira forçada.
Krugman diz que a Organização Mundial do Comércio (OMC) não tem poder de fato para fazer cumprir as regras estabelecidas, então a única alternativa é contar com a boa vontade dos grandes atores globais — e isso inclui os EUA.
Só que com Trump na Casa Branca, essa dinâmica agora é outra, ele não quer seguir regras. A mudança pode, em parte, ser explicada pelo sistema sob o qual os EUA se constituíram: a figura do presidente tem muito poder — com a opção de impor tarifas sobre parceiros comerciais sem aval do legislativo, por exemplo.
“Todo o sistema global depende do presidente norte-americano não ser muito extremo”, diz Krugman.
Mas, depois do Dia da Libertação — no qual o presidente dos EUA taxou praticamente todos os parceiros comerciais — iniciou-se um capítulo na história da maior economia do mundo que ainda não se sabe como vai terminar, de acordo com Krugman.
Segundo ele, o desfecho pode não ser nada agradável para o país.
“Precisaríamos ter uma série de presidentes razoáveis para que os EUA voltem a ser o eram no ano passado. Para ser realista eu não acho que vou viver para ver os EUA voltarem ao que já foram”, disse.
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O impacto das tarifas para a economia dos EUA
Durante o painel, ele explicou que, embora Trump tenha recuado nas altas taxas anunciadas no Dia da Libertação, em 2 de abril, a tarifa média ainda permanece significativamente superior àquelas vigentes até então.
“Os EUA passaram de uma alíquota média de menos de 3%, quase um livre-comércio, para 17% em média. É o nível mais alto no país desde 1936. Nós revertemos completamente 40 anos de liberalização do comércio em três meses”, disse.
Ele destaca que, embora os EUA já tenham enfrentado tarifas mais elevadas no passado, elas não foram impostas de forma repentina, como aconteceu com as medidas adotadas por Trump. Além disso, tem o fato de que os norte-americanos hoje são cerca de três vezes mais dependentes de importação do que nos anos 30.
“Esse é o maior choque de política comercial da história”, afirmou Krugman.
Para ele, se as políticas atuais se mantiverem como estão, o comércio norte-americano deve encolher em até 50%, além do impacto na inflação — que deve aparecer nos próximos meses.
- Vale lembrar que a tese do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) para não cortar os juros no momento é que a inflação via tarifas deve aparecer nos próximos meses. Atualmente, a taxa por lá está na faixa entre 4,25% e 4,50% ao ano.
“Como aprendemos com a pandemia, esse tipo de choque na cadeia de suprimentos demora para ser sentido. Houve uma antecipação de importações em função do temor das tarifas, então existem estoques hoje em dia. Meu palpite é que devemos ver picos de inflação nos próximos meses”.
Ele explica que isso tem o potencial de prejudicar a economia norte-americana severamente, dado que as empresas não sabem o que fazer nesse cenário.
Para Krugman, a grande questão é: “que empresa vai querer investir nesse contexto? A mera incerteza coloca tudo em compasso de espera”.
No entanto, o Nobel destaca que os picos não devem configurar uma inflação persistente e também não enxerga um cenário em que isso vá colocar os EUA em recessão.
“Embora eu discorde das políticas de Trump, não acredito que isso seja algo permanente. Porém, não sei disso, nem o Fed sabe, ninguém sabe. Não é certo se esses impactos de incertezas serão grandes o suficiente para gerar uma recessão”, afirma.
Da mesma forma, ele se preocupa com a política anti-imigratória do presidente norte-americano, afirmando que boa parte da economia norte-americana depende do trabalho de imigrantes — inclusive, os ilegais.
EUA vão virar um Brasil ou uma Argentina?
Diante desse cenário, Krugman aponta para um movimento curioso. Ele explicou que o valor do dólar é influenciado pelas taxas de juros, observando que, com juros elevados como estão atualmente, o capital tende a fluir para o país.
Além disso, destacou que, historicamente, o dólar se fortalece como um “porto seguro” em tempos de crise, até mesmo dentro dos EUA. Ele cita ainda o fato que as tarifas deveriam fortalecer a divisa norte-americana.No entanto, isso não está acontecendo agora. O dólar, na verdade, está se desvalorizando este ano. Em relação ao real, por exemplo, a moeda norte-americana acumula queda de 10%.
Krugman também mencionou a tese do fim do excepcionalismo norte-americano, afirmando que os EUA costumavam ser um país confiável, independentemente da trajetória da dívida, porque as pessoas costumavam acreditar que a situação se resolveria, assim como no caso de outras potências.
Krugman citou o Reino Unido do pós-guerra como exemplo, que viu a dívida chegar a 250% do Produto Interno Bruto (PIB) e ainda assim não houve tanto alarde. No entanto, ele argumenta que os norte-americanos estão deixando de passar essa confiança, seguindo um padrão típico de países emergentes.
“Os EUA estão se comportando de forma parecida com o Brasil e Argentina”.
Ou seja, a economia dos EUA está apresentando sinais de instabilidade ou desconfiança, o que resulta na desvalorização do dólar, mesmo com políticas que tradicionalmente ajudariam a fortalecê-lo — um contraste com a forma como o dólar se comportava no passado, quando se apreciava em momentos de crise ou incerteza econômica.
O dólar vai perder majestade?
Na visão de Krugman, não. Para ele, a moeda está para a economia global como o inglês está para a comunicação entre países.
“Não tem muito a ver com os EUA, mas sim com um padrão de comportamento”, afirmou.
Além disso, a desvalorização do dólar dá mais indícios sobre como o país está sendo visto do que sobre seu próprio destino — segundo Krugman, isso também permanece no limbo das incertezas.
Mas no caso do fim do dólar da hegemonia do dólar — que tem poucas chances de acontecer segundo o Nobel — o euro seria o substituto devido à robustez das economias europeias.
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