Afinal, o que que Donald Trump realmente quer? Temos sempre que tentar evitar psicanalisar alguém à distância, mas neste caso, para os mercados, é necessário ter algum “modelo mental” operacional para traçar os cenários relevantes, dado o caráter centralizador e personalista do regime trumpista (a mesma coisa vale para o atual governo brasileiro, onde vemos o atual ministro da Fazenda ter que referendar todas suas decisões ao mandatário no Palácio do Planalto).
Voltamos ao Liberation Day no início de abril. Eu, como boa parte do mercado, fui surpreendido pela agressividade (e falta de sentido) da política tarifária anunciada naquele dia. E, com os mercados despencando, Trump não parecia demonstrar nenhuma preocupação. Onde estava o Trump put?
Descobrimos que o put existia, mas estava no mercado de Treasuries, e não na bolsa. Este primeiro – e subsequentes – recuo mostrou que a reação de Trump a diferentes trade-offs é bastante complexa e nem sempre consistente (antes de criticá-lo, temos que admitir que isso é verdade para qualquer ser humano).
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Hoje meu modelo mental de Trump se resume aos seguintes pontos:
- Trump gosta de tarifas para tributar (ele piamente acredita que tarifas tributam os exportadores). Essa é a razão de manter a tarifa básica de 10%.
- Trump gosta de tarifas para endereçar a necessidade de reindustrialização, isso tendo um componente social (reerguer o rust belt) e de segurança nacional/concorrência com a China. Essa é a razão por tarifas setoriais (como no caso da indústria de aço) e as tarifas específicas contra a China.
- Trump, apesar de sua educação em Wharton em finanças e economia, não admite que vantagens comparativas podem levar a déficits comerciais persistentes. Ele também tem tendência a somente olhar a balança comercial em bens, onde os EUA têm enormes déficits, e não serviços, onde os EUA têm superávit menores mas ainda expressivos. Essa é mais uma razão para sua agressividade tarifária com a China, mas também contra aliados como o Canadá e a União Europeia. Neste caso, vale negociações; o famoso Art of the Deal.
- Em resumo, Trump adora tarifas. Desde que essas tarifas não causem caos excessivo nos mercados financeiros.
Este, afinal, é o trade-off. E, pelo menos até este momento, a “curva de indiferença” de Trump sugere uma sensibilidade maior à volatilidade dos mercados que foi inicialmente sinalizado nas primeiras semanas depois do Liberation Day.
Trump Always Chickens Out
Essa sequência de recuos e maior sensibilidade a quedas dos mercados levou Robert Armstrong, comentarista do Financial Times, a cunhar o termo Taco, ou Trump always chickens out – Trump sempre se acovarda.
Essa percepção, que a reação de Trump a qualquer mexida no mercado o leva a recuar, hoje domina o modelo mental que os mercados têm de Trump, e é uma das principais razões para que, depois das fortes quedas no início de abril, estarmos basicamente no zero a zero no S&P 500 neste ano e com uma pequena alta no Nasdaq.
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Quem ignorou os catastrofistas e bought the dip de abril, o que inclui, segundo dados da Goldman Sachs, principalmente os investidores de varejo, com o suposto “smart money” institucional vendendo, se deu bem.
E parece que o fenômeno Taco não se limita ao mercado financeiro. Uma sequência de dados de atividade e inflação mostram a economia americana basicamente indo bem. Por exemplo, a estimativa de crescimento anualizado do Fed de Atlanta para o segundo trimestre é de 3,8%, enquanto o consenso dos analistas (o smart money econômico) é de 1%.
Cadê a estagflação?
Bom, se os agentes da economia real também estão trabalhando sobre a presunção do TACO, não há muita razão para fortemente aumentar os preços e diminuir a produção. A bastante flexível economia americana pode bem sobreviver um nível modesto de tarifação sem grandes traumas, e certamente sem recessão.
Está tudo bem então? Bom, com Trump nunca se sabe. Quando ele foi confrontado durante uma conferência com a imprensa por um jornalista sobre o TACO, ele ficou visivelmente chateado, reclamando que a imprensa fake news não estava entendendo suas brilhantes táticas de negociação.
Há um elemento de risco moral nesta situação. Mais que o mercado melhora, mais Trump pode se sentir mais livre para aumentar sua pressão tarifária. Podemos ficar ainda por um bom tempo atolados em um ciclo “morde-assopra” entre Trump e os mercados.
Isso dito, estamos em um período sazonalmente bom para o mercado acionário americano até agosto-setembro. Os fluxos passivos seguem positivos, e as empresas têm caixa para fazer seus buy-backs. O dumb money do varejo deu uma surra nos “profissionais” e devem então continuar seu comportamento de buying the dip.
O investidor global ainda está na ponta de venda, mas sua influência é mais forte nos mercados de renda fixa e de câmbio. Assim me parece que o caminho mais natural seria a continuidade, em velocidade bem menor, da tendência positiva instalada desde o meio de abril.
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