Não é possível olhar para o anúncio feito na quinta (22) sobre o contingenciamento orçamentário e as mudanças no IOF sem se lembrar de dois episódios anteriores: a MP 1227/24 e o do pacote fiscal/isenção do imposto de renda.
Nas três situações, criou-se crises com os setores econômicos pelo erro de cálculo sobre os seus impactos na economia e na política, acentuando os problemas de credibilidade da autoridade econômica.
A exemplo do que ocorreu nas ocasiões anteriores, com recuos e muitas explicações, o episódio colocou o debate da intersecção entre política e economia em meio a uma espiral de mal-entendidos que levará tempo para se dissipar, com vários pontos que precisam ser discutidos.
O primeiro é a transformação de um imposto de natureza regulatório em outro de função arrecadatória.
Nos bastidores, comenta-se que a Fazenda quis cercar pessoas físicas que criam empresas no exterior abastecidas com o dinheiro que elas recebem de dividendos (que são isentos).
Um erro de cálculo, no entanto, colocou os fundos de investimento e levou a uma forte sensação de que o governo teria dado o primeiro passo para fazer um controle cambial.
Uma pergunta que pode ser feita é se não haveria outra forma de endereçar esse problema.
Outra situação foi aumentar o custo de empresas obterem empréstimos em uma conjuntura de taxa Selic no maior patamar em 20 anos.
O terceiro ponto é o governo reconhecer que tinha inflado as receitas no orçamento e que é preciso adotar uma visão mais realista. Embora o reconhecimento da situação tenha sido elogiado, há também a percepção de que o Planalto cavou uma armadilha para si.
Se houve superestimativa de receitas, isso também ocorreu do lado das receitas. O corte anunciado ontem, de R$ 31 bilhões, equivale a 14% do que o governo havia previsto de despesa discricionária para o ano corrente.
Entretanto, outra informação de bastidor nos diz que o problema não fica totalmente endereçado e que o corte deveria ser de, pelo menos, 22,6% (R$ 50 bi). Nesse sentido, o aumento do IOF teria como função minimizar o esforço fiscal necessário para cumprir a meta.
O quarto problema é que o governo terá que dividir esse esforço entre ele e as emendas parlamentares. Se o critério de 1 para 1 for seguido, dos R$ 31 bi anunciados, R$ 15,5 bi terão que ser descontados de recursos de parlamentares, que equivalerá a um corte de 31%.
É fácil prever um imenso barulho no Congresso Nacional.
Por fim, é impossível descontextualizar essa situação da necessidade de viabilizar projetos ligados à “agenda da reeleição”, que envolve mais gastos, como o novo Vale Gás e outros benefícios.
Ficará insustentável a convivência desse modelo de gestão fiscal baseado em anúncio de gastos para mim (Lula) e bloqueios para vocês. Alguém poderá lembrar, como disse ontem o jornalista Caio Junqueira, que “a reeleição do presidente Lula não cabe no orçamento”.
Leonardo Barreto Doutor em Ciência Política pela UnB