É impossível negar que a noite da última quinta-feira (22) foi repleta de emoção para quem acompanha o mercado, após o anúncio do Governo Lula sobre as alterações do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Em menos de sete horas, o governo foi de pulso firme sobre os anúncios ao recuo de trechos polêmicos das mudanças — com direito a “correção” no Diário Oficial desta sexta (23).
Para um ex-BC e um ex-Banco Mundial ouvidos pelo Seu Dinheiro, a decisão “surpresa” da agenda econômica do governo passou uma mensagem: a política fiscal do Brasil está sem articulação e aposta na arrecadação como solução para lidar com as metas do arcabouço.
- SAIBA MAIS: Deixou a declaração para última hora? Baixe o Guia do Imposto de Renda e veja como resolver isso de forma descomplicada
A justificativa é simples: ampliar a arrecadação da União sobre determinados produtos financeiros. O governo espera uma entrada de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026 com a medida.
Mas por que o IOF foi o escolhido para sanar os problemas da política fiscal? Simples: mudanças no imposto não exigem negociações com o Congresso Nacional. Mas, na visão de especialistas, esta não é a escolha ideal para essa “missão”.
Quais as implicações da alteração do IOF para a política fiscal?
Para Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, a escolha do IOF como a solução fiscal do País aponta para uma preferência por políticas tampões ao invés de realizar cortes de gastos para atingir o equilíbrio fiscal.
“A escolha do IOF foi ruim, por ser calculado por transação ao invés de ser uma tributação fixa. Não houve um planejamento do Ministério da Fazenda pensando nos desdobramentos sobre o mercado financeiro e as empresas”, afirma o ex-BC.
Volpon pontua que a execução aponta para um “exercício de Excel”, com escolha apressada das novas alíquotas para a melhor arrecadação possível em detrimento de uma reforma efetiva envolvendo articulações com Banco Central e Congresso Nacional.

O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou através do X que as mudanças do IOF não envolveram o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.
A mudança do IOF na base da canetada indica que o governo federal está engessado por falta de espaço no orçamento para manobras e com dificuldade de articulação para aprovar novas políticas econômicas, de acordo com Carlos Primo Braga, professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial.
“Não há opções fáceis para o governo, que está comprometido com as despesas obrigatórias e gastos previdenciários — base das políticas da atual administração”, ressalta Braga.
- E MAIS: Com Selic a 14,75% ao ano, ‘é provável que tenhamos alcançado o fim do ciclo de alta dos juros’, defende analista – a era das vacas gordas na renda fixa vai acabar?
No entanto, na opinião do ex-Banco Mundial, a principal “red flag” do decreto publicado nesta sexta é o fato de parecer um “tampão”para lidar com o orçamento durante ano eleitoral — que deve ter um aumento de gastos do Executivo e do Congresso.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário de Fazenda de São Paulo, diz que o viés de solucionar a questão fiscal por meio de mais receitas segue como a tônica do atual governo.
“A disposição em contingenciar despesas discricionárias é uma espécie de compromisso mínimo para entrega de uma meta fiscal, o que é positivo, mas insuficiente para conduzir à retomada do equilíbrio fiscal”, afirma, em nota.
Por que o mercado financeiro reagiu negativamente à mudança do IOF?
Há dois motivos para a reação negativa do mercado financeiro às mudanças do IOF — e ambos envolvem a implementação da cobrança sobre remessas de investimento.
As remessas para investir em fundos no exterior foram de isentas de IOF para 3,50% de tributação, medida que atingiu diretamente os fundos multimercados que investem parte ou a totalidade da carteira lá fora. Devido à má recepção pelo mercado, a medida foi revogada no mesmo dia.
Já no caso das pessoas físicas, o IOF para investir no exterior passou de 0,38% para 3,50%, mas o governo também recuou da medida, aumentando o tributo para apenas 1,10%.
- LEIA TAMBÉM: Renda fixa isenta de Imposto de Renda? Estes 9 títulos de crédito privado incentivado podem gerar retornos de até IPCA + 8,9%; veja aqui.
Para Volpon, a medida foi feita sem considerar os efeitos sobre o mercado financeiro, uma vez que a tributação sobre fundos iria desmantelar o segmento pelo aumento repentino.
“Um aumento de 0% para 3,50% sobre fundos inviabiliza todo um setor de investimentos e aponta para uma falta de conhecimento do mercado financeiro por parte da pasta econômica. Não foi uma mudança gradual, foi de ‘0 a 100’ com uma canetada, destruindo a liquidez do mercado”, afirma o ex-diretor do BC.
Mesmo com a revogação, o anúncio leva ao segundo motivo da reação negativa: o temor de uma política de controle de capitais no Brasil.
“Noventa por cento dos problemas foram resolvidos com a retirada dessa parte nociva das mudanças do IOF, mas o alerta no mercado fica, agora há a preocupação com políticas que controlem investimentos de brasileiros no exterior”, afirma Volpon.
Quais os impactos que a mudança do IOF podem ter na economia?
Na economia brasileira, a preocupação gira em torno da inflação e do possível risco de dominância do BC sobre a política fiscal, caso o governo continue atuando dessa forma, segundo o ex-diretor do Banco Mundial.
“A dívida bruta do governo geral atingiu 75,9% do Produto Interno Bruto em março de 2025, acendendo um alerta, especialmente para 2026, um ano eleitoral, colocando pressão sobre o governo e o Brasil em uma trajetória perigosa”, afirma Braga.

O risco seria o governo deixar de lidar com a inflação pelo lado do fiscal, deixando toda a responsabilidade nas mãos da política monetária do Banco Central, cuja única arma para lidar com o aumento de preços é a taxa básica de juros, a Selic.
Com isso, abre-se a possibilidade de um cenário de dominância fiscal, em que o BC tenha dificuldade de aumentar os juros para conter a inflação, sob o risco de tornar a dívida pública impagável e ainda mais explosiva.
Assim, Braga vê um cenário em que há risco de uma crise inflacionária, com até 6% de inflação caso não haja medidas concretas para lidar com o desequilíbrio fiscal.
Atualmente, a meta da inflação está em 3%, com tolerância de menos ou mais 1,50 ponto percentual, isto é, de 1,50% a 4,50%.
Crédito para empresas deve ser o mais afetado pela mudança do IOF
Entre as principais impactadas pelas mudanças no IOF estão as empresas que precisam ter acesso ao crédito. O decreto aumenta o imposto para empréstimos de pessoa jurídica para até 3,95% ao ano.
Tanto Braga quanto Volpon consideram a alteração das taxas de empréstimo como negativas e inevitáveis para a economia do Brasil, que já passa por uma desaceleração. O encarecimento adicional do crédito em um país com taxas de juros já tão elevadas pode ter efeito ainda mais restritivo sobre a atividade.
O Ministério da Fazenda projeta uma desaceleração da economia brasileira neste ano, com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ficando na casa dos 2,3% em 2025, abaixo da casa dos 3% como nos três anos anteriores.
“O custo de capital no Brasil já é caro, com o decreto, essa situação piora. A mensagem que o governo passou é que as empresas estão ‘por si só’ nesse cenário. Com certeza esse é o efeito mais nocivo dessa medida”, afirma Volpon.
The post Entenda por que as mudanças no IOF foram tão mal recebidas pelo mercado e como elas podem impactar a inflação e a economia do Brasil appeared first on Seu Dinheiro.