Não é apenas a China que está na mira da artilharia de Donald Trump. O republicano também vive uma relação espinhosa com o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, e, nesta semana, voltou a aumentar o tom contra o dirigente do Banco Central (BC) dos EUA.
Em declarações feitas na Casa Branca na quinta-feira (17), Trump sugeriu que tem o poder de tirar Powell e o criticou por não cortar as taxas de juros no país. Atualmente, as taxas por lá estão na faixa entre 4,25% e 4,50% ao ano.
“Se eu quiser tirá-lo, ele sairá bem rápido, acredite em mim”, disse o republicano. “Não estou satisfeito com ele”, completou. O Seu Dinheiro contou em detalhes o show de ofensas do republicano, confira aqui.
Já na sexta-feira (18), o conselheiro econômico da Casa Branca, Kevin Hassett, afirmou que o presidente dos EUA “e sua equipe continuarão a estudar o assunto”, referindo-se a uma forma de tirar Powell do cargo.
A interferência de Trump no Federal Reserve adiciona pressão a um mercado que já vive incertezas devido ao tarifaço implementado pelo republicano aos parceiros comerciais dos EUA.
Isso porque um Banco Central independente é capaz de controlar melhor a inflação sem influência política, tomando medidas impopulares com mais facilidade para combater a alta dos preços.
Além disso, as decisões da instituição passam a ser mais previsíveis. Assim, se o Fed fosse mais influenciado pela política, os mercados teriam mais dificuldade em antecipar e entender as medidas da autarquia monetária.
A maioria dos economistas e investidores de Wall Street teme que um ataque à longa independência do Fed possa desestabilizar ainda mais os ativos e aumentar a incerteza nos mercados.
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Adicionando (ainda mais) pressão: as consequências da interferência de Trump
Em geral, as bolsas norte-americanas não operam no fim de semana. Porém, caso houvesse negociações neste sábado, certamente a tentativa de demitir Powell faria os preços das ações caírem e os rendimentos dos títulos do Tesouro dispararem.
Além disso, qualquer tentativa do governo de Trump de demitir Powell levaria a um aumento nas apostas de estagflação, segundo relatório do Evercore ISI, divisão de Research da Evercore.
Os analistas afirmam que os investidores vêm demonstrando uma perda de confiança na política econômica de Trump, por meio de movimentos nos mercados de títulos e câmbio.
Desde meados de janeiro, o dólar caiu 9% em relação a uma cesta de moedas, uma queda rara e acentuada, atingindo seu menor nível em três anos. Investidores avaliam que o dólar pode passar a enfrentar uma lenta queda na posição de moeda de reserva mundial.
Já em relação ao Fed, não houve sinais de perda de confiança, uma vez que as medidas de inflação esperada permanecem contidas, segundo o ISI.
Assim, uma ação contra a independência do banco central norte-americano resultaria em “uma disparada dos rendimentos de longo prazo devido ao risco de inflação em uma curva de juros com ganho de inclinação (quando a diferença entre as taxas de juros de curto e longo prazo aumenta), uma queda acentuada do dólar e um aumento generalizado nos prêmios de risco, incluindo o prêmio de risco das ações, provavelmente garantindo uma recessão”, afirmam os analistas.
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Uma demissão complexa
Apesar das ameaças de Trump contra Powell adicionar pressão aos mercados, a demissão do presidente do Fed vai ser mais difícil do que o republicano faz parecer.
Uma lei de 1913 instituiu que o presidente do Fed somente poderia ser demitido por “justa causa”. Além disso, uma decisão da Suprema Corte de 1935 limitou a capacidade do presidente de remover líderes de agências governamentais independentes sem motivo.
Desde então, a sentença protegeu os presidentes do Fed contra demissões políticas.
Assim, caso Trump tente demitir Powell antes do tempo, poderá enfrentar uma longa batalha judicial. Para dispensar o chefe do Fed, o republicano teria que provar que Powell cometeu falhas graves durante o mandato.
“Uma discordância sobre as taxas de juros não se encaixaria na interpretação de conduta grave ou abuso de poder”, explica a Oxford Economics.
Além disso, segundo a consultoria, a eventual demissão de Powell do cargo de presidente do Fed não necessariamente o tira da presidência do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc), instância do BC americano que decide sobre os juros.
Assim, caso o presidente dos EUA consiga justificar uma demissão por má conduta e afastar Powell do cargo, ele permanecerá no conselho de governadores da instituição até 2028. Em 2014, Powell foi eleito para o conselho para um mandato de 14 anos.
Já o cargo máximo no Fomc é definido anualmente por seus membros, todo mês de janeiro. Usualmente, o presidente da instituição é o presidente do Fed, mas esta não é uma regra.
“A menos que Trump consiga removê-lo tanto do cargo de presidente do Fed quanto de governador, Powell concluirá seu mandato como presidente do Fed”, afirma a consultoria.
A Oxford Economics também indicou que não trabalha com a hipótese de Powell ser removido do cargo antes do término de seu mandato, no ano que vem.
E não são os únicos a não enxergar sucesso na empreitada de Trump. Em relatório, os analistas do Evercore ISI afirmam que consideram a tentativa “improvável”.
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Uma brecha para Trump
Ainda assim, há caminhos para que Trump demita Jerome Powell do cargo de presidente do Fed. Isso porque foi por meio da indicação do republicano que ele alcançou a posição.
Powell foi indicado para o Conselho do Fed em 2012 pelo então presidente Barack Obama. Já em 2017, durante o primeiro mandato de Donald Trump, foi indicado para a presidência do Fed, tendo assumido em 2018.
Em 2022, foi reconduzido por Joe Biden para um novo período de quatro anos à frente da instituição. Assim, o mandato de Powell à frente do Fed deve seguir até 2026.
Porém, apesar da decisão de 1935 impedir demissões sem justa causa de agências governamentais independentes, Trump vem mexendo seus pauzinhos para mudar a tradição.
Em março deste ano, Trump demitiu dois democratas da Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC, na sigla em inglês), que também possui um histórico de independência.
Os dois comissários estão processando o presidente norte-americano e tentam permanecer na comissão.
Na última quarta-feira (16), o próprio Powell comentou o caso. “Não acho que essa decisão vá se aplicar ao Fed, mas não sei. É uma situação que estamos monitorando”, disse, ao responder perguntas no Clube Econômico de Chicago.
O presidente do Fed ainda reforçou que a independência da instituição “é uma questão legal” e que o estatuto estabelece que “não há demissão, exceto por justa causa”.
*Com informações do Estadão Conteúdo
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