Arrojada, moderna, planejada. Brasília, capital, nasceu da inovação, com uma identidade arquitetônica única e um olhar voltado para o futuro. Andar pelo “avião” é um convite à fotografia. Afinal, a cidade é recheada de cartões-postais.
São prédios com arquiteturas belíssimas, ângulos surpreendentes, arborização pelas ruas e o céu que arranca suspiros pelo azul intenso e vermelho-fogo ao pôr do sol.
No entanto, um nome fundamental para a concretização desses projetos é frequentemente deixado em segundo plano: Joaquim Cardozo.
Por isso, em celebração ao 65º aniversário de Brasília, o Metrópoles, em parceria com o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), promoveu o talk “Além das Curvas: A engenharia por trás da arquitetura de Brasília”.
O evento foi aberto pelo presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass, que enfatizou o legado do engenheiro.
“Joaquim Cardozo teve papel essencial para que as formas, as ideias, as concepções de Oscar Niemeyer tomassem vida em uma engenharia e arquitetura de trato refinado, de alto nível técnico, de muita competência. Viabilizando esses símbolos, esses ícones da nossa arquitetura modernista”, ressaltou.
Logo depois, participaram da conversa o arquiteto e ex-diretor do Departamento Técnico de Arquitetura e Engenharia da Câmara dos Deputados, Maurício Matta; o jornalista, publicitário e autor do livro Histórias de Brasília, João Carlos Amador; e o presidente do Confea, Vinicius Marchese.
Uma engenharia reverenciável
Segundo Vinicius Marchese, a profissão de Joaquim acabou sendo invisível, mas ele fez uma engenharia reverenciável. “Niemeyer não teria ousado tanto se não tivesse confiado o trabalho a Joaquim Cardozo. O maior destaque deles foi a relação de confiança, que hoje em dia é difícil encontrar no urbanismo brasileiro”, pontuou.
“Enquanto não trouxermos novos Joaquins e Niemeyers para a ‘mesa’, não vamos solucionar os problemas que temos. Um deles é gente vindo de muito longe e para trabalhar no centro da capital.”
Vinicius Marchese, presidente do Confea
O gênio que inspira
O arquiteto e ex-diretor do Departamento Técnico de Arquitetura e Engenharia da Câmara dos Deputados, Maurício Matta, compreende que o trabalho de Cardozo dialogou com os princípios de Brasília.
“Oscar pensava em formas leves, mas quem fazia a ‘borboleta’, como dizia Lúcio Costa, voar, era Joaquim. Eu realmente não sei se a arquitetura teria evoluído tanto se não fosse Joaquim. Ele não olhava a estrutura como um peso, mas como algo leve. Isso fez a diferença”, explanou.
Matta salientou que um gênio como ele faz com que todos possam sonhar em mudar uma realidade; o mundo. “A relação entre ele, Oscar e Lúcio fez desta cidade um lugar muito interessante e ideal de se viver”, pontuou.
De acordo com ele, Joaquim deixou um grande legado como pensador, pois se esforçou ao máximo para encontrar soluções. “Brasília é cheia de simbolismos, que devem ser preservados e protegidos. Ela deve expandir, mas requer um cuidado especial, porque ela foi planejada. Tem um valor. Precisa funcionar bem”, afirmou.
“É importante que o cidadão comum saiba que ele existiu”
Na visão de João Carlos Amador, é muito importante o resgate do trabalho de Joaquim Cardozo, porque ele é ofuscado. “A engenharia dele possibilitou a forma que Brasília tem hoje. É importante que o cidadão comum saiba que ele existiu, já que ele não foi muito visto. E outra, ele era engenheiro, poeta, cartunista. Joaquim foi a junção de humanas e exatas.”
Joaquim ainda pincelou o crescimento esperado, mas surpreendente que a capital teve. “Taguatinga, por exemplo, foi uma das primeiras cidades a acolher pessoas, que não estavam cabendo em Brasília. E esse processo aconteceu até antes do esperado. Então sabe-se que o crescimento de Brasília foi planejado, não planejado e até improvisado; um combo”, explanou.
“A região tomou proporções inesperadas, claro, mas precisa de controle. É importante ter coerência no processo, porque, afinal, ela é tombada. Então é necessário um olhar apurado. O ideal é pensar em uma cidade sustentável, com qualidade de vida e mobilidade adequadas”, reforçou.
Modernismo no traçado e nas construções
Brasília nasceu em 1960, pelas mãos do então presidente Juscelino Kubitschek. Construída em 1.000 dias para ser a nova capital, a região surpreendeu pelo modernismo do traçado e das construções.
Por esse motivo, o talk valorizou a memória de Joaquim Cardozo. Durante o painel, os especialistas debateram o impacto dele na construção da cidade e o legado deixado para a engenharia brasileira.
O engenheiro pernambucano (26/08/1897 – 04/11/1978) formou-se em 1930 no estado natal, onde trabalhou como topógrafo e engenheiro rodoviário.
Mas, foi em 1940, no Rio de Janeiro, que a trajetória profissional de Cardozo teve um marco com o início de uma parceria histórica com o ícone da arquitetura Oscar Niemeyer.
A primeira contribuição foi no projeto estrutural da Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte (MG).
O engenheiro desafiou os limites do concreto armado da época e se tornou essencial na construção de edifícios icônicos como o Palácio do Planalto, o Palácio da Alvorada, o Congresso Nacional, a Torre de TV – onde foi promovido o talk – e a deslumbrante Catedral Metropolitana.
Perspectivas para a engenharia no Brasil
Além de revisitar a história de Cardozo, os convidados discutiram desafios e perspectivas para o futuro da engenharia no Brasil e a importância de inovação e soluções criativas.
Na visão de Marchese, o futuro da engenharia é preocupante no Brasil, justamente quanto à formação e à nova geração. “Hoje, tem-se muito desinteresse pela engenharia de Brasília. Percebe-se uma diminuição no ingresso de estudantes nessa área, e nas mais diversas engenharias.”
“Dentro disso, ainda há outro fator: o desinteresse pelo serviço público. Se não pensarmos em reverter essa curva, iremos ter um colapso na mão de obra”, reforçou.
“Vai faltar profissional e precisamos encarar isso como um problema do país, não de Brasília. Porque não tem como entregar um país minimamente estruturado para os nossos filhos, para as próximas gerações.”
Vinicius Marchese, presidente do Confea
Para Matta, Brasília deve ser preservada para funcionar, porque aqui é capital. “Tem de ser permeável, com boa condição de viver, além de ter cuidado com os recursos naturais, para que ela sobreviva. São necessárias políticas públicas para que isso aconteça.”
Segundo Vinicius, Brasília deve funcionar para as pessoas, sejam ricas ou pobres. “Nos próximos anos, que consigamos pensar para todos, não para pequenos grupos. Essa é minha briga”, pontuou.
Para João Amador, daqui a 65 anos, ele deseja que a capital tenha a mesma “cara”. “Que Brasília não perca a essência e que o estilo de vida dela se mantenha. Mas, com desenvolvimento, claro. Que persista o que foi pensado pelos fundadores.”
Para quem não pôde comparecer pessoalmente ao evento, é possível assistir ao talk pelo YouTube do Metrópoles: