Não é a primeira vez que se fala da Fazenda Ribeirão Bonito, em Novo Repartimento, no Pará. A propriedade foi palco de um resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão, em 2015, e, a partir daí a investigação apontou um complexo esquema de “laranjas”.
Com todo esse histórico nebuloso, a fazenda pediu recuperação judicial. Mas o processo que deveria ser público, com a convocação de credores e a publicação de atas, corre em segredo de justiça há mais de um ano. A situação excepcional não foi justificada.
O pouco que se sabe sobre a recuperação aponta para novas possíveis fraudes. Isso porque a dívida apontada foi de R$ 80 milhões com 15 credores, entre eles bancos e produtores rurais. Um deles, identificado como Elias Feitosa de Souza, credor de R$ 2,7 milhões, consta como beneficiário do Bolsa Família.
E ele não é o único. Valdimar Silva de Souza, que teria R$ 900 mil a receber da fazenda, recebeu auxílio emergencial. As informações sobre os benefícios constam no Portal da Transparência.
Quem é o dono?
Após resgatarem os trabalhadores que viviam em um barracão pelo qual transitavam aranhas e morcegos, bebiam a mesma água dos cavalos e faziam as necessidades no mato, auditores e policiais federais saíram perguntando pelo dono da fazenda. A primeira pessoa apontada foi um funcionário da propriedade.
Depois, conforme registro da Polícia Federal, o contador Deusval de Barros Brito Filho reconheceu que o homem apontado era funcionário e recebia um salário mínimo. Nos autos também ficou registrado o nome de quem seria o verdadeiro dono: Guimar Alves (foto em destaque).
No entanto, menos de um ano depois, o quadro social da fazenda foi alterado. Assumiu, em 2016, como dono, Carlos Roberto Alves Filho. É o nome dele que consta no processo de recuperação judicial. E é também o nome de um funcionário de uma empresa que fabrica embalagens em Goiânia (GO), a Piloto Embalagens.
A relação de Carlos com a empresa é demonstrada em diversos episódios. Como um acidente de carro onde ele dirigia um veículo da Piloto Embalagens. No boletim de ocorrência, Carlos se identificou como funcionário e disse que estava no comando do veículo na hora da colisão por estar trabalhando.
Em 2024, oficiais de justiça foram em busca de Carlos na empresa e ouviram do supervisor de recursos humanos que ele era prestador de serviços da companhia. Ele também aparece vestindo uniforme da Piloto Embalagens e touca de proteção em foto postada nas redes sociais.
Por trás dos laranjas
O nome de quem estaria por trás dos laranjas é Guimar Alves. Ele responde a mais de uma dezena de processos por dívidas que chegam a R$ 87 milhões. Em nome dele, só há empresas antigas com registros cancelados. A Justiça, quando procura bens e contas bancárias para satisfazer dívidas, não encontra nada.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dois pesos pesados da indústria o acusam de realizar calotes milionários. Parte desses credores ainda afirma que ele comete essas fraudes para se esquivar de dívidas e manter o alto padrão de vida.
Segundo essas empresas, suas joias da coroa estão em nome de funcionários e parentes. As dívidas se arrastam por anos e, em meio a bloqueios frustrados, o empresário pede a prescrição das cobranças. O processo mais recente diz respeito a R$ 15 milhões.
Trata-se de uma ação da Polo Indústria, do ramo de material plástico, referente a uma dívida da Plasticom, uma das empresas do império de Guimar. A dívida de R$ 1,5 milhão, datada de 2005, não foi paga até hoje. Em 18 anos, o valor cresceu 10 vezes.