São Paulo — A primeira noite de desfiles do Grupo Especial de São Paulo levantou o Sambódromo do Anhembi com um espetáculo que misturou emoção, fantasias luxuosas e crítica social no Carnaval. Dragões da Real, Mancha Verde e Acadêmicos do Tatuapé foram os destaques.
Não por acaso, as três escolas que se sobressaíram entre a noite de sexta-feira (28/2) e a madrugada deste sábado (1/3) estiveram também entre as cinco primeiras colocadas do ano passado e se credenciam à disputa, novamente, em 2025.
Também passaram pelo Anhembi, até a publicação desta reportagem, a Colorado do Brás, com um desfile sem contratempos, e a Barroca Zona Sul, que apesar do desfile cheio de beleza e religiosidade, teve problema em um dos carros alegóricos, o que pode comprometer a nota final na apuração de terça-feira (4/3).
As tradicionais Rosas de Ouro e Camisa Verde e Branco ainda encerrariam os desfiles já ao amanhecer na zona norte de São Paulo.
Veja como foi a primeira noite de desfiles no Sambódromo do Anhembi.
Colorado do Brás
A Colorado do Brás transformou o Anhembi em Pelourinho na tentativa de quebrar uma antiga escrita do carnaval paulistano, que aponta para uma grande chance de rebaixamento da escola que abre os desfiles na sexta. O afoxé Filhos de Gandhi foi o tema escolhido pela agremiação, que fez uma apresentação sem contratempos em uma noite quente e sem chuva.
A comissão de frente se destacou e resumiu o que aconteceria nos minutos seguintes no Sambódromo. Exú abriu os caminhos e surgiram, logo de cara, divindades hindus, estivadores, Gilberto Gil, Clara Nunes e Caetano, se misturando em coreografia sob a observação de um Gandhi, impassível, na comissão de frente.
Filhos de Gandhi surgiu em Salvador ainda na primeira metade do século passado, formado por estivadores que se vestiam de branco, em alusão ao pacifista indiano, daí as referências. Também se destacaram as baianas em vermelho, representando Santa Luzia, além da bateria cheia de bossa, com fantasias de ogans (sacerdotes que tocam atabaques e não entram em transe nos rituais).
Barroca Zona Sul
A escola da zona sul encontrou dificuldades em seu desfile, mesmo com samba envolvente, fantasias e alegorias luxuosas. O segundo carro da Barroca teve problemas para entrar no sambódromo e levou à abertura de um longo espaço até a ala seguinte, o que deve provocar perda de pontuação na harmonia.
Para ganhar alguns minutos preciosos e evitar o estouro do limite de 65 minutos para cruzar a pista, a direção de Carnaval optou por não usar o recuo da bateria, passando direto pela parte central do Anhembi. Deu certo e a Barroca passou de raspão, sem risco de punição.
A despeito dos problemas, não faltou beleza e religiosidade. A comissão de frente trouxe Iansã promovendo a transformação com muitos efeitos especiais e coreografia impressionante. A protagonista resgatou os espíritos perdidos em mundos espirituais (os nove oruns, do enredo), fez vendaval e tempestade surgirem cenograficamente em meio a um Anhembi de tempo firme.
Dragões da Real
A Dragões da Real costuma fazer desfiles coloridos, de beleza plástica bem característica, e isso desde os tempos do acesso, em que ainda sonhava com o Grupo Especial. Com a música “Aquarela”, de Toquinho, servindo de pano de fundo para o samba-enredo, a escola tricolor se sentiu muito à vontade na busca pelo título inédito.
O desfile foi uma grande homenagem ao neto do carnavalesco Jorge Freitas, o garoto Jorginho, que tinha doença rara e morreu aos 8 anos em 2024. O menino sonhava em ser astronauta e foi representado já na comissão de frente, que fez decolar pelo Sambódromo uma nave por meio de um drone.
As fases da vida foram representadas em alegorias gigantescas, todas no exato limite de 15 metros de altura, e de acabamento impecável. O destaque ficou por conta do carro que trouxe a escultura de Jorginho, fantasiado de astronauta e com o coração na mão, em homenagem comovente.
Mancha Verde
A Mancha fez a representação de uma Salvador sagrada e profano, algo presente desde a comissão de frente que alternava em um mesmo tripé as escadarias do Bonfim e um bordel, com padre e Exú, cercados por turistas e baianas.
As baianas da escola também foram capítulo à parte em meio ao desfile. Vaidosas, vestidas como Oxum, trouxeram até LEDs nas fantasias feitas com requinte e muito luxo. Luxuosa também foi a rainha de bateria Viviane Araújo, há 20 anos na escola. Fantasiada de “Canto da Cidade”, ela homenageou Daniela Mercury para celebrar as festas de Salvador em todas as suas formas.
A escola palmeirense também usou uma “licença poética” permitida pelo regulamento. Desde que sinalizada previamente, uma ala pode desfilar à vontade, sem risco de perder pontos. Foi assim que a Mancha introduziu capoeiristas, cercados por besouros, abrindo espaços no sambódromo e livres para brincar e jogar, não comprometendo a harmonia.
Acadêmicos do Tatuapé
A Acadêmicos do Tatuapé clamou por justiça contra a intolerância em suas múltiplas maneiras, seja na exclusão social ou no preconceito religioso. Cristo crucificado, mulher queimada sobre uma bíblia, tudo foi apresentado como convite à reflexão.
O desfile da Tatuapé começou com a escuridão do caos na comissão de frente, passou pelo “olho por olho, dente por dente”, do Código de Hamurabi, chegando na sequência aos gregos, com alegoria mais iluminada, grandiosa, de 55 metros de comprimento.
A terceira alegoria mostrou um carro com forte crítica social, trazendo riqueza e miséria. Também mostrou a estátua de Artemis, a mesma em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), com uma criança morta e ensanguentada no colo, mostrando que nem os pequenos estão livres de uma violência que, muitas vezes, vem pelas mãos do próprio estado.