As decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes voltaram a repercutir além das fronteiras do Brasil recentemente, desta vez acirrando os ânimos diretamente com o governo dos Estados Unidos.
A mais recente polêmica envolve a suspensão da plataforma de vídeos Rumble no país, após a empresa descumprir decisões judiciais e não indicar um representante legal em território brasileiro.
A medida provocou reações do governo norte-americano e aliados do presidente Donald Trump, que chegou a entrar com ações contra o ministro questionando as determinações da justiça brasileira e acusando Moraes de censura.
A escalada do caso, com direito a publicação no perfil de um órgão do Departamento de Estado dos EUA criticando o magistrado, levou o Itamaraty a emitir uma nota oficial em defesa de Moraes, apesar de não citá-lo diretamente.
Diante da ofensiva internacional, o ministro também reagiu: “O Brasil deixou de ser colônia em 7 de setembro de 1822”, afirmou durante sessão do STF na última quinta-feira (27/02).
Para além de Trump, o ministro tem um histórico de embate com a extrema-direita também dentro do Brasil. É ele quem conduz inquéritos que miram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados, inclusive o que resultou na denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) por golpe de estado.
Como mostrou a coluna, investigações conduzidas no âmbito dos inquéritos das fake news e das milícias digitais, ambos sob Moraes, revelaram métodos semelhantes utilizados por apoiadores de Bolsonaro e Trump na disseminação de desinformação e na mobilização de ações coordenadas nas redes sociais.
Os episódios recentes, no entanto, não são isolados, e fazem parte de uma série que se estende pelo menos desde 2021, quando o ministro determinou a extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, que já residia no país norte-americano, o que não foi para frente. Relembre a cronologia dos fatos:
- Pedido de extradição de Allan dos Santos
Em 2021, Alexandre de Moraes mandou prender o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos e determinou sua extradição dos EUA. Ele é investigado no inquérito das milícias digitais, que apura a disseminação de notícias falsas contra a democracia brasileira.
Apesar do pedido formal, as autoridades norte-americanas não atenderam à solicitação, permitindo que Allan permanecesse nos Estados Unidos.
- Detenção de ex-assessor de Trump no Brasil
No mesmo ano, Jason Miller, ex-assessor e braço direito de Donald Trump, foi detido pela Polícia Federal (PF) durante uma visita ao Brasil para prestar depoimento. Como mostrou a coluna de Igor Gadelha, a ordem teria vindo diretamente de Moraes.
A ação ocorreu no contexto de investigações sobre a organização de atos antidemocráticos no Brasil.
- Bloqueio do X no Brasil
Depois de idas e vindas entre o ministro, que cobrava o cumprimento de decisões judiciais, e a plataforma, que insistia em descumpri-las, Moraes determinou, em agosto de 2024, o bloqueio da plataforma X (antigo Twitter) em território brasileiro.
O revés imposto à empresa do bilionário e atual membro do governo dos EUA, Elon Musk, veio após a plataforma não informar um representante legal no Brasil.
A plataforma permaneceu suspensa até que as exigências fossem atendidas e as multas aplicadas fossem pagas, o que ocorreu no início de outubro.
- Ações contra Moraes e bloqueio do Rumble
Em 19 de fevereiro deste ano, o Rumble e a Trump Media & Technology Group, empresa de mídia de Donald Trump, ingressaram com uma ação judicial nos Estados Unidos contra Alexandre de Moraes, acusando-o de violar a liberdade de expressão devido a uma determinação de bloqueio de perfis de Allan dos Santos.
Dois dias depois, em 21 de fevereiro, Moraes ordenou o bloqueio do Rumble no país, citando o descumprimento de ordens judiciais e a ausência de representação legal da plataforma em solo brasileiro.
Em 23 de fevereiro, as duas empresas apresentaram uma nova ação judicial, contestando a decisão de bloqueio. A liminar, no entanto, foi negada pela justiça norte-americana.
- Repercussões no Congresso dos EUA e resposta brasileira
Em 26 de fevereiro, um comitê da Câmara dos Estados Unidos aprovou um projeto que busca barrar a entrada ou deportar autoridades estrangeiras acusadas de promover censura contra cidadãos estadunidenses. O projeto, se aprovado em plenário, pode atingir Alexandre de Moraes.
Na mesma esteira, o Departamento de Estado do país classificou como “censura” as decisões do magistrado.
Em resposta, em um tom pouco usual, o Itamaraty emitiu uma nota oficial defendendo a atuação do ministro e dizendo ser contra “qualquer tentativa de politizar decisões judiciais”.
“A manifestação do Departamento de Estado distorce o sentido das decisões do Supremo Tribunal Federal, cujos efeitos destinam-se a assegurar a aplicação, no território nacional, da legislação brasileira pertinente, inclusive a exigência da constituição de representantes legais a todas as empresas que atuam no Brasil”, diz trecho do comunicado.
No dia seguinte, durante sessão do STF em 27 de fevereiro, Moraes também respondeu. Declarou enfaticamente que o Brasil “deixou de ser colônia em 7 de setembro de 1822”, ressaltando a independência do país frente a pressões externas. Ele também relembrou a inauguração da sede oficial da ONU, que completava 73 anos na data.
“É importante que todos nós reafirmemos nossos compromissos com a defesa da democracia, dos direitos humanos, da igualde entre as nações e nosso juramento integral de defesa da constituição brasileira e pela soberania do Brasil pela independência do poder judiciário e pela cidadania de todos os brasileiros, pois deixamos de ser colônia em 7 de setembro de 1822”, afirmou.