Antes de operar futuros e commodities em geral, eu atuava somente no mercado de ouro.
No início, fazia isso na Bolsinha (Bolsa de Mercadorias de São Paulo). Mais tarde, ampliei meu campo de ação para a Comex, bolsa de derivativos sediada em Nova York.
Portanto, acompanho as cotações de ouro há muito tempo. Mais precisamente, desde abril de 1983. Até então só operava com ações e títulos de renda fixa.
Creio que, para comentar com mais substância o atual estágio do mercado de ouro, vale a pena fazer um histórico.
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O ouro e a paridade com o dólar
Em 1944, quando o desfecho da Segunda Guerra Mundial já se mostrava previsível, as autoridades monetárias dos países aliados e neutros se reuniram na localidade de Bretton Woods, no estado americano de New Hampshire. O objetivo era estabelecer uma nova ordem econômica mundial.
Convencionou-se na oportunidade que uma onça troy (31,1034768 gramas) de ouro equivalia a 35 dólares e definiu-se a relação de cada moeda com o dólar. Por conseguinte, em relação ao ouro.
Se Bretton Woods fosse levado ao pé da letra, qualquer pessoa poderia chegar no Federal Reserve Bank com determinada quantia em dólares e trocá-la por lingotes de ouro na equivalência acima. Ou seja, o dólar era uma moeda fortíssima, lastreada em ouro.
Só que essa troca não era disponibilizada para ninguém.
Um “almoço” com Safra
Em 1966, eu estudava mercado de capitais na NYU (New York University). Quase no final do curso, o professor pediu que cada aluno entrevistasse um banqueiro.
Eu escolhi Edmond Safra, acionista majoritário do Republic Bank, de Nova York, que era amigo de meu pai. Este promoveu nosso primeiro contato, por telefone.
Safra me disse para ir lá na hora do almoço.
Certo de que iria ter um free lunch, além de cumprir minha missão escolar, fui para lá no dia e hora marcados.
Edmond almoçou em sua mesa de trabalho, bem na minha frente, e não me ofereceu nem um pires de sua comida kosher, me deixando babando de fome.
Por outro lado, naquele início de tarde ele me deu dicas que foram de enorme utilidade nos anos que se seguiram. Uma delas era que os Estados Unidos iriam abandonar o padrão-ouro. Outra, que o dólar se desvalorizaria frente às demais moedas fortes.
Não deu outra.
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Do fim do padrão-ouro aos recordes
No final da década de 1960, o então presidente francês Charles de Gaulle exigiu que os Estados Unidos entregassem à França o ouro correspondente às reservas de seu país. Saiu de mãos abanando.
Só restou ao presidente americano Richard Nixon acabar com o padrão-ouro (gold standard), o que aconteceu em 1971. A partir daí, a cotação do metal passou a flutuar ao sabor do mercado, mas mantendo uma sólida tendência de alta.
Essa arrancada levou o preço da onça troy até US$ 608,31, cotação atingida em outubro de 1980. Isso representou uma alta de 1.638%, tendo como base o preço fixado em Bretton Woods.
Seguiu-se um bear market que trouxe os preços para US$ 220,40, cotação atingida em março de 1985.
De lá para cá, só festa. Para os touros, bem entendido. Em 40 anos, desprezadas as oscilações e volatilidade características de qualquer mercado, o preço subiu até US$ 2.922,30, patamar atingido ontem.
“Tudo bem”, eu posso até ouvir o questionamento do leitor, “quem gosta de passado é museu. O que você acha, Ivan, de comprar ouro a partir do momento atual?”
Uma das regras não escritas das bolsas e futuros é que “mercado que responde bem a notícias ruins, é mercado de alta”.
Pois bem, o catecismo das cotações do ouro diz que o metal gosta de dólar fraco e de taxas de juros negativas. Só que nenhum desses dois fundamentos está ocorrendo neste momento.
O Federal Reserve mantém a taxa básica de juros entre 4,25% e 4,50%, contra uma inflação (medida pelo índice de preços ao consumidor) anual de de 2,9%. O dólar está forte frente às demais moedas.
Esses dois fatores combinados são os tais fundamentos que deveriam estar derrubando o preço do ouro. Deveriam, mas não estão.
Acontece que o mercado de ouro é significativamente menor do que os de taxas de juros e moedas. Qualquer grande comprador pode mantê-lo em alta anos a fio, contrariando qualquer teoria. Isso parece estar acontecendo.
Os indianos têm o hábito secular de poupar em ouro, não só em barras como também em joias.
A Índia tem 1,43 bilhão de habitantes. As monções (temporadas de chuva) têm sido regulares, favorecendo a agricultura e criando novos ricos a cada ano.
A economia indiana está crescendo à razão de 6,4% ao ano, num movimento semelhante ao da China no início deste século. E tudo indica que essa tendência deve permanecer.
Fala-se que a China está aumentando suas reservas de ouro.
Pois bem, o certo é que há mais compradores do que vendedores entrando no mercado a cada dia. Isso força os preços para cima.
Uma das razões pelas quais um ativo sobe é porque ele está subindo. Ou seja, compra-se porque ele sobe e sobe porque se compra.
Como os preços do ouro estão em território nunca alcançado, sugiro que aqueles que desejam entrar agora que o façam com stop defensivo, algo como 100 dólares abaixo do preço de compra.
Um forte abraço,
Ivan Sant’Anna
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